por Marco Bettine*
Estes dias uma colega de trabalho me pediu para ler um artigo que ela havia enviado para as Organizações das Nações Unidas, refleti um pouco antes de aceitar, pois ando preocupado com as iniciativas do Conselho de Segurança. No entanto, sei que a ONU é mais que aquele Conselho; apesar de ali ser o seu coração. Enfim, li o artigo que versava sobre a experiência de ser deficiente, portanto não tem nada a ver com segurança ou estruturas internacionais e falo um pouco do muito que aprendi....
Resumidamente, o artigo havia entrevistado pessoas que, por algum motivo, tornaram-se deficientes na fase adulta. Os testemunhos são fortes; deixariam perplexos todos os urbanistas ou mesmo as casas e prédios ditos de alto padrão. As falas colocam em xeque todos os nossos sentimentos mesquinhos e outras tantas discussões menores que vivenciamos. Como a do próprio Conselho de Segurança.
Aqueles que tiveram alguns segundos para ler estas palavras pensem um pouco: como deve ser a experiência do primeiro banho após meses no hospital e simplesmente não conseguir entrar no banheiro da própria casa.
Todos os entrevistados possuem histórias sofridas sobre este momento de transição, que reflete a adaptação a uma nova condição de corporeidade. A estrutura familiar mostrou-se fundamental, bem como o olhar do outro, este muito difícil de desconstruir, apensar das campanhas de inclusão. Porém, nossa estrutura social é baseada na eficiência e não no seu oposto, portanto, campanhas são letras mortas e os deficientes possuem algumas garantias porque há uma legislação protetiva.
Dentre todas as questões colocadas cabe aqui um olhar de esperança, e esta esperança não vêm de nenhum programa de governo ou promessas eleitoreiras. Foram as falas destas pessoas que se expuseram para dizer o sentimento de tornar-se deficiente. Eles foram unânimes em afirmar que a promoção do movimento por meio de jogos ou modalidades esportivas é essencial à inclusão. Para eles o esporte promove maior autonomia.

Cito como exemplo o cair da cadeira de rodas, em casa gera toda uma preocupação, às vezes o deficiente coloca-se na situação de necessitado. Agora em uma partida de cadeirantes cair faz parte do jogo. E é melhor levantar para não tomar um contra-ataque.
Pensei bastante sobre a importância da identidade, dimensionamento exagerado dos desafios diários, falta de alteridade para compreender a dificuldade do outro e também, a importância de termos grupos com pessoas que estão preocupados com o divertir-se. Não com uma relação burocrática do mundo das relações estratégica do trabalho.
Acredito que os entrevistados gostam do movimento não pelo entendimento de funcionalidade, mas porque ao movimentar-se aquela condição de corpo específica é esquecida e seu foco é consigo e seus companheiros; um aprendizado comum, onde o conseguir não é somente a prática, mas sim o de estar lá e não isolado.
Marco Antônio Bettine de Almeida é professor doutor da Universidade de São Paulo (USP), marcobettine@usp.br
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