Advertência: O Professor da Escola de Políticas Públicas da USP-Leste, Marco Antonio Bettine de Almeida, escreveu o texto a seguir como contribuição a este Blog. Portanto, o leitor terá contato daqui pra frente também a contribuições externas, inaugurando uma série de contribuições que este blog receberá. A sessão foi batizada como: "COLABORADORES". Encaminho aos leitores o texto:...
O Controle do Mal
por Marco Antonio Bettine de Almeida*
No Brasil, durante as duas últimas décadas, vários movimentos sociais foram organizados servindo de apoio para a luta dos direitos humanos e volta à democracia. Mas, ao mesmo tempo, o país tem testemunhado a proliferação do preconceito e da violência contra “suspeitos” - segundo esta Folha, C3 10/05/2010, houve aumento de 40% no número de pessoas mortas em confronto com a policia. Essa tendência tem se refletido nas mortes de grupos específicos como os motoboys por exemplo (Folha C1 10/05/2010).
No Brasil os direitos civis são extremamente fracos e a fraqueza de um sistema de justiça destinado a servir as elites e adaptado para desmandos institucionais. A morte dos suspeitos de uma classe social determinada atestam a discriminação e desrespeito aos direitos individuais. A violação dos seus corpos com tortura até a morte fortalecem o argumento. Incomoda ouvir “eles podiam fazer o que quisessem porque eram policiais (Folha, C1 10/05/2010)”.
Possivelmente o Brasil, na figura de suas autoridades públicas, ainda não superaram a imagem do criminoso como sendo o pobre, a pessoa negra, os migrantes do nordeste, os filhos de mães solteiras, os consumidores de drogas, os moradores de cortiços e favelas (Teresa Caldeiras no livro Construindo a Democracia, Edusp, p. 287, 2006), estes grupos tem uma expectativa negativa frente a presença do Estado, mais particularmente a policia, propagando o medo e a insegurança.
Na fala do Comandante Geral da Policia Militar o aumento de mortes em confrontos é a matemática entre maiores confrontos versus policia melhor preparada, lê-se violenta. Neste contexto percebe-se que o conceito de segurança propagado é aquele de extirpar o mal. E o mal, nestas contas matemáticas, encontra-se justamente em locais específicos onde se constrói a imagem do criminoso. Em função deste pensamento a autoridade estatal é vista como mantenedora do controle ao mal. E caso a policia não cumpra este dever, pelos olhos daqueles que não encaixam na imagem de criminoso, resta contratar guardas particulares, portões eletrônicos, apoiar justiceiros e atos de vingança.
A partir destes dados ficam algumas questões. Será que a violência policial é algo da corporação pura e simplesmente, ou ela, policia, reproduz uma vontade da sociedade que apoiou, por exemplo, o massacre do Carandiru. Será que o ato da policia é arbitrário por ter espancado um suspeito que dirigia na contramão e não parou, ou esta ação corrobora a pesquisa de Caldeira (1992 – Financiada pela Social Science Research Council) onde a maior parte dos entrevistados afirmaram que uma pessoa que é pega cometendo crime deveria ser assassinada imediatamente.
As questões apontadas não são fáceis de se resolver, porém passados 22 anos da Constituição Cidadã a sociedade brasileira precisa enfrentar estes dilemas: violência, segurança, conter o mal e imagem do criminoso , para ser uma sociedade cidadã.
* Professor Doutor da Universidade de São Paulo, Escola de Artes, Ciências e Humanidades. Pesquisador do grupo de Psicologia Política, Políticas Públicas e Multiculturalismo.
4 comentários:
Parece tão difícil encontrar a fronteira tênue que separa a rigidez (desejada por todos) na conduta policial e a violência com que tem se portado.
O presídio aqui de Caxias do Sul foi notícia nacional em dois momentos seguidos, primeiro quando se comprovou a violência cometida pelos agentes penitenciários contra os apenados, o que resultou no afastamento dos agentes e intervenção da brigada militar na segurança do tal presídio. Alguns dias depois, flagra-se (através de filmagem) os policiais agredindo os mesmos detentos.
Assim como a população, de um modo geral, tendo a dizer que não sou a favor da violência policial, desta caracterização preconceituosa de quem é “bandido” e quem é “mocinho”, principalmente porque estes estereótipos não existem puros na sociedade real. Mas estamos todos tão cansados da violência diária, de ouvir falar em direitos humanos para criaturas que se comportam com tanta barbárie, que já achamos bom que alguém (polícia) imponha uma violência maior, como se fossemos à forra com estes que nos aterrorizam diariamente. Há quem critique recorrer à defesa dos direitos humanos quando se trata de assassinos, estupradores, psicopatas e criminosos desta estirpe, alegando que estes, de humanos não têm nada. Porém, não esqueçamos que a barbárie, a violência, a crueldade, são comportamentos tão humanos quanto o afeto, a delicadeza, a compaixão. Também eu, quando ouço a respeito de um crime destes, penso que não tem jeito, só matando. Penso isso para o psicopata, para o estuprador, e também para aqueles que, vestidos e investidos pela força da lei, assassinam inocentes. Mas de que adianta? De onde estes vieram, virão outros. E não estou falando das favelas, das periferias, das corporações, falo da sociedade que as cria, do modelo tão desgastado, falido, mas que ainda se insiste em seguir.
Sem dúvida, o desafio de alcançar uma sociedade cidadã é muito grande, andamos ainda aos tropeços, mais caindo do que avançando. Mas preciso acreditar que, mesmo que a passos lentos, fazemos alguma diferença, que esta mudança pode ser alcançada. Em que tempo? Para qual geração? Não importa. O que importa é que se não começarmos logo, não será para ninguém.
(bah! esse comentário ficou enorme...desculpaí:)
Bertold Brecht diz: "Do rio que tudo arrasta se diz violento. Mas ninguém diz violentas às margens que o comprimem"
Creio que a forma de enxergar a violência caminha muito nas frases de Brecht. A legitimidade da compressão ou repressão por parte dos defensores do mal "Estado" é construída por nós que, muitas vezes, terceirizamos nossos preconceitos para dormimos em paz.
Marco
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