
Nesta concepção mais abstrata, de uma geografia humana e intersubjetiva, supomos que os espaços não deveriam ser apropriados, mas compartilhados. Falo de espaço nos termos que este blog considera: espaço físico, terra, território; mas também outros espaços: como virtual – a terra de ninguém da internet; ou os espaços de convivência e interação nas cidades ou na sociedade. Todos temos um lugar no mundo. Lei da física: onde esta meu corpo, nada além dele pode ocupar este espaço. Mas, as determinações sociais dizem onde meu corpo pode se locomover e onde não. Assim, temos também que são nossas opções e orientações que determinam os espaços físicos.
Supomos um caso concreto: comer pão com mortadela no shopping center, sujo, mal vestido e sem seguir a etiqueta é motivo para expulsão do lugar ou controle rígido por parte dos seguranças. Há um decoro para freqüentar um shopping, há uma necessidade de dado perfil social determinar a presença no lugar. Não há uma norma jurídica que defina isso, mas o constrangimento social é uma lei impenetrável e com seus limites presente na tolerância geral dos freqüentadores.
Este artigo quer discutir que a geografia explica os preconceitos sociais velados. No Brasil preconceito e qualquer tipo de xenofobia é crime. Porém, nada melhor que avaliar geograficamente a falácia da aplicação desta lei. Se não podemos em hipótese alguma discriminar uma pessoa pela sua pele, religião ou opção sexual, porque em alguns lugares é considerada normal a presença do “diferente” em outros não?

Vejamos agora um exemplo estado-unidense, onde os direitos civis têm um histórico mais engajado na sua discussão e prática. O recém nomeado Chefe do Estado maior das Forças Armadas nos EUA, Almirante Mike Muller me espantou ao ler na sua biografia a afirmação de que é a favor de gays e lésbicas nas forças armadas dos EUA. Segundo a citação, ele “se incomoda em saber que jovens precisam mentir sobre suas opções para ingressar nas forças armadas e defender os cidadãos dos Estados Unidos”. Esta declaração presente na revista TIME, que elegeu Mullen uma das figuras mais influentes do mundo me deixou um tanto perplexo.
Enquanto nos EUA se discute o direito de jovens defenderem suas opções dentro de qualquer instituição de Estado, até mesmo no exercito, no Brasil, a tolerância tem lugar e hora marcada. Veja então como a geografia ajuda a explicar preconceitos. Na medida em que se permite uma opção política, religiosa, sexual ou que uma determinada cor de pele circule por lugares determinados, isso não é liberdade ou liberalização, isso é concessão. Os preconceitos são comprimidos ou limitados, circunscritos, mas ainda podem se manifestar livremente ainda em alguns espaços. “Exercito não é lugar de Gay”. Isso pode ser uma frase atribuída a 11 em 10 dos chefes das forças armadas brasileiras.
Não quero com isso fazer uma crítica somente ao exercito. Considero apenas o exemplo pedagógico – porque, entre outras coisas, enquanto brasileiros sempre criticamos as atitudes estado-unidenses. Mas, sem dúvidas eles avançam em questões sensíveis internamente. Ao contrário, nossa pseudo-fama de tolerantes é a única coisa que nos cai bem; fato que tem como contrapartida a incumbência de nos cegar os olhos para nós mesmos e para nossa sociedade porque não reflete movimentos reais.
Do ponto de vista científico, estamos tratando aqui de um modo de operar, onde podemos perceber que a geografia explica os preconceitos muito bem, pois quando se diz que há espaço para manifestar certas preferências individuais você não as reconhece como normais e dignas de respeito em instituições ou espaços públicos.
Quando a geografia é colocada a serviço da identidade entre seres sociais e espaço, quando ela nos ajuda a observar esta interação é uma ciência muito útil para que possamos fazer a leitura da sociedade. Esse exercício pode nos levar a conclusões muito mais fiéis da sociedade como ela é, porque se levarmos em consideração a imagem que em geral fazemos da sociedade, ignoramos que para não termos que conviver cotidianamente com a miséria, com a desigualdade, com as injustiças, com a violência, com os preconceitos regalamos a esses padrões espaços específicos. E isso, mais que qualquer outro movimento, a geografia explica...
Portanto, ao entendermos mais de geografia, poderemos entender mais do mundo através do cotidiano e do espaço público e assim reconhecer que, enquanto pessoas, somos todos dignos de interação sem que os aprisionamentos sociais e a propriedade privada nos impeçam de buscar a existência plena através da emancipação que todo ser humano tem direito.
Um comentário:
pois é, luís, penso que entender mais de geografia, além de clarear os espaços do mundo, permite transpor fronteiras da alma...
gostei sobremaneira deste teu comentário
"Ao contrário, nossa pseudo-fama de tolerantes é a única coisa que nos cai bem; fato que tem como contrapartida a incumbência de nos cegar os olhos para nós mesmos e para nossa sociedade porque não reflete movimentos reais."
fazer de conta é sempre mais cômodo, né?
abraço
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