As Mulheres da Cidade Grande ou, simplesmente, Provocação.
por Marco Antonio Bettine de Almeida*
Fui comprar fraldas para um amigo, ou melhor, para o filho do meu amigo, foto que me colocou em perspectiva para algumas reflexões. Fiquei pensando sobre a gravidez e quem são as pessoas que ficam grávidas no mundo que me rodeia - classe média alta, teoricamente esclarecida e com alguma inserção social. Confesso que tomei um susto, pois todas as mulheres da minha memória que ficaram grávidas não tinham uma inserção bem definida no mundo do trabalho, isto é, eram pessoas que já beiravam os trinta e não tinham um emprego fixo ou não gostavam do seu trabalho.
Ao refletir sobre estes fatos pensei na música de Belchior, interpretada por Elis Regina, Como nossos Pais, será que ainda vivemos no mundo em que o filho é projetado como futuro inevitável das mães. A grande diferença de gerações anteriores era que nossas avós só tinham esta opção; ou pelo menos a minha avó, filha de trabalhadores rurais de Minas Gerais que tentaram a vida na cidade de São Paulo e criavam os filhos fazendo remendos na roupa dos outros, subiam a Rua Direita com os fardos nos braços, de um lado um filho e na barriga outro. Hoje, as mulheres “esclarecidas” têm muitas opções, principalmente estas mulheres do nível sócio econômico que estou focando.
Ao que tudo indica, o fracasso no mundo do trabalho tende a favorecer a maternidade. Se esta matemática estiver correta (provavelmente não... dirão as feministas), a falta de opção levaria a ter filhos e garantir, aos olhos da sociedade, um olhar de aceitação para a nova função que esta pessoa se colocou no grupo. Agora, ela estará livre dos olhares de reprovação anterior, recebendo as fraldas dos amigos e os parabéns. Não estou julgando a maternidade e os laços afetivos, bem como a grandeza de ser mãe, não é isso, a questão é discutir a maternidade como escolha e não como sua falta.
Penso no filho que nascerá: que responsabilidade ele terá ao ser a alternativa do desconforto da mãe. Desconforto, este, propiciado pelas adversidades do mundo do trabalho e das dificuldades de colocação profissional.
Fico imaginando que isto acontece com um grupo social ao qual pertenço, o grupo dos déspotas esclarecidos (baseado na autonomia do saber, olhar científico e livros de autoajuda). Mesmo com este esclarecimento despótico, ainda utilizam a maternidade como fuga. Fugir do marido, das responsabilidades de viver no coletivo (e não pelo filho), dos olhares dos seus iguais, da faxineira que vem uma vez por semana (este dia é bom ir pro parque) e de si.
Confesso que me assustei com este cenário sombrio, mas será que é mesmo tão sombrio? Estou exagerando? Neste momento não tenho respostas.
Fico pensando nas conquistas das mulheres, penso também em quem contribui efetivamente para as transformações. Se a perspectiva discutida até aqui estiver correta, revolucionárias são as mulheres que estão inseridas no mundo do trabalho e decidem ter filhos, elas trazem consigo a potencialidade de mudanças nas leis de licença maternidade. Elas lutarão por melhores condições nos planos de saúde. Elas buscarão seus direitos, falarão que a vida não é só trabalho, mostrarão que as empresas não podem impedi-las de serem mães. Enfim, elas são as verdadeiras Marias de Milton Nascimento.
* Professor Doutor da Universidade de São Paulo, Escola de Artes, Ciências e Humanidades. Pesquisador do grupo de Psicologia Política, Políticas Públicas e Multiculturalismo marcobettine@usp.br
Um comentário:
Visão um tanto pragmática esta. No entanto, olhando de perto é mesmo o que se vê. Também vejo em muitos casos essa fuga para a maternidade como a segurança de inserção nos moldes sociais. Mas, entre as mulheres profissionalmente ativas também percebo que, muitas vezes, a gravidez vem como o cumprimento de um papel social, nem sempre de um desejo maternal acentuado. Isso geralmente resulta em filhos criados a revelia, por babás, profissionais de escolinhas, avós. Não raro as mulheres vivenciam a maternidade como qualquer outra atividade de demanda diária, inserida numa rotina de correria, ou seja, com a atenção um pouco superficializada. E assim, percebem realmente que o tempo passou e que não sabem ao certo que pessoa ajudaram a forjar, quando os filhos estão na adolescência. O que já pode ser demasiado tarde. Difícil achar o ponto de equilíbrio, e isto eu deixo para as que seguem tentado. Muito mais fácil é o papel de observador.
abraço
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