quinta-feira, 29 de julho de 2010

Areiópolis Parte V: o pensamento provinciano

Areiópolis, como a maioria (se não a totalidade) das cidades pequenas tem um pensamento provinciano que impera. Antes de entrar em qualquer juízo de valor sobre o tema, é preciso dizer que faz parte dos lugares onde a proximidade pessoal é alta imperar este tipo de pensamento.
Digamos que o pensamento provinciano é como uma defesa, uma forma talvez inconsciente de coesão social. De proteger costumes e hierarquias que se desenvolveram desde muito tempo, através de um convívio, de certa forma, frutífero. Além disso, faz parte de algum tipo de valorização do local. Cada povo, cultura ou comunidade desenvolve sua própria forma de interação. Independente da prática que se usa para isso ou quais são os rituais pelos quais se reforçam os laços de sociabilidade de concreto podemos dizer que os códigos locais são importantes. Na medida em que a cidade é menor, ou na medida em que se trata de comunidades pequenas, as práticas podem ser idiossincráticas. O tamanho da comunidade tem relação com o pensamento provinciano? Certamente, porque são através das formas de sociabilidade em comum é que se define a identidade. Se não há uma ou algumas forma de sociabilidade que identifiquem aquele local, não há um laço em comum para a sociabilização.

Significa que em um lugar pequeno não são poucos, mais muitas as idiossincrasias desenvolvidas. É mais fácil a criação de um código em comum expandido à comunidade. Significa também que a identidade é mais evidente. E identidade significa que os seus são iguais e que os iguais se diferenciam dos outros.

Quase sempre o pensamento provinciano é confundido com o pensamento conservador. Enquanto que uma coisa não necessariamente quer dizer outra. As pessoas provincianas são àquelas que têm seus laços de sociabilidade bem firmes. No caso do pensamento conservador não é uma questão de laço, mas de concepção de mundo. Os conservadores acham que seu modo de vida atual – e somente ele – é o correto. É bem verdade, justiça seja feita, que muitos dos provincianos são conservadores. Mas, também é verdade, justiça seja feita, conheci muitos provincianos que apreciavam seu modo de vida que eram extremamente abertos.

Uma característica básica do cidadão provinciano é que ele desconfia do diferente até ganhar segurança. Depois de conquistada a confiança de um areiopolense, a máxima, minha casa é sua casa e o que é meu é seu, esse desapego ao material e a importância que se dá as relações de convívio é traço marcante. Público e privado se confundem, não há muita distinção, as pessoas não são reservadas, não existe espaço que seja exclusivamente seu. Aquela história que na adolescência me incomodava um pouco, dos próximos e dos não tão próximos dando pitaco na sua vida, bem hoje eu entendo como uma característica disto que estou definindo como o pensamento provinciano.

A questão da defesa, da desconfiança, do não se sentir muito à vontade com o diferente está provavelmente num ato inconsciente do precaver-se contra o invasor. Seria uma tentativa de, antes de aceitar alguém como parte da sua comunidade, estudar e investigar se este outro não está ali para causar discórdias ou distúrbios locais. Tão logo esta dificuldade passe e o estranho seja aceito posto que também aceitou os procedimentos locais e respeitou a hierarquia, então tudo se acomoda e a distancia inicialmente imposta se dissolve.

Em geral não há tempo para que um estranho faça parte da comunidade. E, em geral, os estranhos são invasivos quanto a costumes e hierarquias. Ser totalmente aceito e integrado é um processo lento mesmo que inicialmente pareça fácil. Quando eu era criança e jogava futebol, sempre tínhamos os mesmos colegas que jogavam. Havia ali uma turma que se integrava. Ao menor sinal de surgirem outros jogadores, era preciso que soubéssemos quem e o que o trouxe ali, que tipo de jogador era, se seria leal ou desleal, se respeitaria a hierarquia de pode local, etc. Na medida em que tudo isso é superado, o novo membro da turma ganhava espaço e tinha sua posição. Havia um equilíbrio que quando colocado em movimento queria buscar reequilíbrio. Nem sempre o novo jogador era aceito e para retomar o equilíbrio era preciso sacá-lo da jogada.

Mas, preciso lembrar que tudo isso é diferente de conservadorismo. Comunidades como Areiópolis, e acredito que muitas outras, desenvolveram ao longo dos anos uma história própria, personagens próprios, modo de vida particular. E, assim como qualquer sistema aberto, tendem a lidar com a entrada de novidades de forma muito particular. Isso tudo é diferente de um sistema conservador simplesmente, porque o provincianismo tem a ver com os laços de sociabilidade locais que dão suporte social àquela comunidade e não com uma repulsa ao modo de vida estrangeiro. Custou-me anos de estudo e isolamento para diferenciar uma coisa da outra.

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