quinta-feira, 8 de julho de 2010

Especial Areiópolis: parte II - Cana e Pinga.

PARTE I : Especial AREIÓPOLIS - AQUI
Hoje pouco volto à Areiópolis e poucos contatos mantenho – só mesmo com dois ou três amigos de infância, além obviamente de minha família que ainda reside por lá e afortunadamente agrega números aos dados censitários do IBGE. As imagens da infância permanecem e acompanham as transformações que a cidade sofreu – que em alguma media o país também sofreu. Éramos, nos anos 1940, um país com 80% da população rural e 20% urbana. Hoje somos 85% urbanos e 15% rurais. Areiópolis também foi assim: as fazendas e as colônias nas fazendas era a morada da maioria da população. O trabalho na lavoura era diferente da agroindustria e a migração nordestina também se fez por conta dos postos de trabalho que se abriram ao novo modo de produção e modernização agrícola.
Anos depois, já como estudante de pós-graduação, encontrei uma tese na Unicamp, da área de saúde coletiva, que associava o consumo de bebida alcoólica ao trabalho braçal. A tese dizia que os problemas gerados pelo esforço repetitivo braçal (usava os trabalhadores de cana-de-açúcar como objeto de estudo) geravam sérios problemas na articulação e dores inevitáveis. O álcool funciona como analgésico de bóia-fria. Primeiro porque realmente alivia a dor, faz a pessoa dormir melhor e relaxa os músculos. Em segundo lugar porque é barato, muito mais barato que remédio e de mais fácil acesso. Areiópolis tinha uma farmácia (do Ditinho) no inicio dos anos oitenta. E, que me lembre, uns 20 bares no centro da cidade que no final da tarde ficavam abarrotados. Dono de bar era emergente à vereador, prefeito; muito na base da troca da pinga pelo voto.
E não pense o leitor que estou falando de senhores velhos e incapazes bebuns. Estou falando de jovens de 24, 25 anos de idade, que trabalham desde os 14 anos. Filhos de outros trabalhadores rurais que já não tem a mesma produtividade. É um mundo machista, enquanto as mulheres vão para a casa fazer a comida e ver se os filhos ainda estão vivos, os homens iam para o bar. Em geral, para aumentar a renda, as mulheres também cortavam cana. Só tinham outro destino quando a jornada se encerrava. O marido chegava bêbado em casa. Os filhos chorando. Quando ele não brigava na rua com outro bóia-fria, batia na mulher e/ou nos filhos em casa. As mulheres que tinham mais sorte (ou azar porque ganhavam menos) eram empregadas domésticas; podiam associar melhor os cuidados com a própria casa, com os filhos e com o trabalho. Educação num lugar desses é sucesso quando se ensina a ler e escrever e as duas operações básicas (multiplicar e dividir são desnecessários). Estudar pra que? A possibilidade de mobilidade social é quase nula e não depende de educação formal.
O castigo ao corpo do trabalho agrícola, braçal e repetitivo é destrutivo. Outros trabalhos também geram conseqüências não desejadas e planejadas. O alcoolismo como desdobramento das dores provacadas por movimentos laborais repetitivos deveria ser melhor estudado, diagnosticado e tratado. É uma sujeição que retira a perspectiva de vida de qualquer mortal.

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