quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Análise de conjuntura eleitoral ou causas e consequências do baixo desempenho de Padilha como candidato ao governo do Estado de São Paulo.

Em 2014 talvez o PT tenha o pior desempenho das ultimas cinco eleições para governador em São Paulo e isso mesmo que não seja decisivo, pode ser um fator inibidor para as pretensões de reeleição de Dilma (certamente ajuda a campanha não se decidir em primeiro turno). Este texto pretende discutir possíveis efeitos das eleições para governador no Estado e algumas hipóteses do baixo desempenho petista. Antes de tudo, é preciso destacar que o quadro se desenha em dois grandes eixos: campanha dos adversários e do antipetismo e erros coletivos de estratégia do PT.

Pode ser demonstrado que o desempenho desta campanha para governador fica muito aquém do que historicamente o PT atinge, para a eleição de governador em São Paulo. Se compararmos com o desempenho de Aluízio Mercadante há 4 e 8 anos , o PT tinha neste momento, em torno de 23% das intenções de votos - desempenho inclusive melhor que o de Haddad há dois anos (veja gráfico 1):


Em 2012, Fernando Haddad já era apontado nas pesquisas de opinião com cerca de 18% dos votos na mesma época (entre 25 e 26 de setembro). É o praticamente o dobro das intenções de votos que os institutos apontam para Alexandre Padilha hoje (Veja gráfico 2).


De todos os problemas de intenções de votos que podemos observar, talvez o menos importante seja que Padilha era um desconhecido Ministro da Saúde (mais um “poste” indicado por Lula). Com um mês de exposição na TV esse problema se dissipa completamente. Somado ao fato da estrutura partidária e da capacidade de mobilização do partido.

Não defendo que seja um problema do candidato, defendo a hipótese que é um problema mais geral, que vai da estrutura social para a organização de campanha. Se focarmos na cultura política paulista, que certamente é conservadora, e tomarmos como ponto de partida as opções de campanha e decisões equivocadas, talvez haja até uma leitura equivocada da invencibilidade ou da força tucana no estado.

A última e única vez que o PT foi para o segundo turno de uma eleição para governador de São Paulo faz doze anos com José Genuíno.  Ao contrário de Marta Suplicy (que em 1998 deu lugar a Mario Covas para enfrentar Maluf no segundo turno), Genuíno conseguiu sua façanha superando justamente Maluf e atingindo 32% dos eleitores. As pesquisas apontavam 24% das intenções de votos na ultima semana do mês de setembro. (veja Gráfico 3)


O desempenho de Genuíno no segundo turno foi bastante modesto se tomarmos por base aquela conjuntura de onda vermelha com a eleição de Lula e toda a comoção em torno da chegada do PT ao Palácio do Planalto. Assim, de modo geral, todas as apostas de campanha paulista não foram bem sucedidas. Mas, desta vez se torna grave porque todas as expectativas negativas foram superadas e a crença de que em algum momento Padilha passaria Skaf esta cada vez menos provável, mesmo que ainda seja possível levar a disputa ao segundo turno – este fato ainda depende muito mais da capacidade de mobilização do PT do que do PMDB.

Também não podemos atribuir aos méritos administrativos do PSDB o mau desempenho atual. A nota calculada para o governo Alkmin é de 5,9 e seu índice de bom e ótimo é de 41% (Veja Gráfico 04). Se comparado esse número com a presidenta Dilma, ela tem uma nota de 5,6 e um índice de bom e ótimo que oscila em torno dos 39%. São avaliações muito próximas. Acontece que o governador tem 14% de índice de rejeição enquanto a presidenta tem 31% - mais que o dobro. O próprio Alexandre Padilha em São Paulo tem um índice de rejeição de 23% - vindos simplesmente de onde?


Portanto, Alkmin não faz um mau governo, mas também não faz um bom governo opinião do eleitorado. Do ponto de vista qualitativo, é o governo mais frágil dos últimos 16 anos de PSDB. Violência Pública estourando, escândalos abafados do Metrô, nenhuma marca ou realização importante, crise pra lá de séria na água. Por que então podemos julgar que o eleitor paulista apresenta dois pesos e duas medidas em relação aos governos do PT e PSDB? E principalmente, por que – ao contrário do cenário nacional – a campanha não tem efeito em relação ao eleitor rever sua posição?

A resposta padrão: Mídia, em parte explica. Mas apenas em parte.

São Paulo tem a mídia impressa mais tendenciosa do país. Mas, isso não é apenas causa como também efeito para o eleitorado reacionário. Os jornais (Folha e Estado), as revistas (Veja, Época e Isto É!) são compradas em massa pelos eleitores paulistas. Muitos buscam as informações que esses veículos de comunicação apresentam. Como existe mais poder aquisitivo no estado, existe mais propensão a assinar um jornal ou revista por parte do eleitorado. Se esta classe média (com todos os problemas que o termo tem) é maior, maior será seu peso nas decisões públicas e eleitorais.

São Paulo se divide claramente em centro e periferia – como o restante do Brasil. Mas, diferente do restante do país, o centro é tão volumoso quanto a periferia. De outro lado, deve ser o estado da federação que mais diferenças na relação entre capital e interior – e o interior tem uma classe média conservadora mais volumosa que não pode ser medida em termos de renda, mas deve ser pensada em termos de comportamento político (basta ler “os parceiros do rio bonito” de Antônio Cândido para perceber a diferença entre o bandeirante e o caipira)

Se a região metropolitana de São Paulo é concentrada, tem metade dos eleitores e 39 municípios, a outra metade está em 606 municípios bastante distribuídos pelo interior do estado.  A tradição sindical não chega ao interior, as questões das grandes metrópoles também não. Nem Campinas ou Santos podem falar em problemas sérios de mobilidade urbana que tem a RMSP. A violência ocorre, mas é diferente. São Paulo do interior é movido pelo desejo de progresso realizado pela capital. Fazer campanha no interior é diferente de fazer campanha na RMSP. No ABC por exemplo (berço do PT), os movimentos sociais são fortes e poderosos. No interior, alguns movimentos surgem, mas são rapidamente abafados e tem muito menos impacto. Já a mídia chega diretamente a todos os municípios. Sem o contraponto da militância, do partido, dos apoios, é a mídia que faz sua vez. O discurso conservador tem mais base social - mais importante que isso, ao contrário da capital, no interior o contraponto é frágil ou inexistente.

O argumento acima explica alguma coisa sobre as dificuldades do Partido e também em mais uma vez perder as eleições. Mesmo vencendo nas grandes cidades e RMSP, ainda é inexpressivo em cidades do interior. De outro lado, é um argumento insuficiente para explicar porque também perdeu espaço nesta eleição e o que ocorrerá em 2014.

É preciso perceber que o impacto de “mesalões” e denuncias em cidades de pequeno e médio porte foi devastador justamente em um momento que o PT organizava sua capilaridade no estado. Lideranças locais formadas por classes médias e profissionais liberais desmobilizaram os diretórios municipais do partido e foram para outras frentes – creio que o PSOL cresceu mais que o PT no interior de São Paulo nos últimos quatro anos, mas não tenho números para sustentar esta afirmação. O fato é que se o PT quer ganhar uma eleição em São Paulo precisa fazer o que Orestes Quércia fez na década de 1980: correr o interior do estado e instrumentalizar diretórios e lideranças locais que possam trabalhar comprometidos com um novo projeto.

Minha análise para o encolhimento gira em torno de outra explicação: a aposta errada nos cabos eleitorais pode explicar melhor o baixo desempenho da campanha padilhista e ligar as barreiras enfrentadas historicamente pelo PT ao desempenho eleitoral abaixo das expectativas.

O PT confiou demais na capacidade da militância profissionalizada (ou contratada, como queira), nos cabos eleitorais contratados por candidatos proporcionais e em lideranças políticas locais. Candidatos a deputados, disputa no senado, ligações com prefeitos aliados, tudo isso criou e cria uma estrutura profissional de campanha. Praticamente isso tomou a frente de militantes históricos e de voluntários. Hoje tem mais volume a militância profissional – não que ela não deva existir, mas não pode substituir, como tem ocorrido. O contratado que trabalha pra um candidato a deputado pede voto para ele e só para ele: têm objetivos, metas, padrões a cumprir. Defende a Dilma se dá, o Padilha se não atrapalhar, mas sua clareza de propósito o faz muito diferente de um militante que conhece, defende e divulga todo o projeto do partido.

Aquele militante histórico que tem conseguido êxitos indiscutíveis na campanha nacional (claro que também misturado ao cabo eleitoral profissional), faz falta na campanha para governador. Não só porque foi engolido pelo cabo eleitoral profissional, mas também porque tem pouco material de trabalho. E neste sentido entra um segundo erro grave: Alexandre Padilha tem pouco apoio fundamentado para instrumentalizar os defensores da sua candidatura. Não temos muitos “memes” nas redes sociais, não produzimos estudos sobre a situação do estado, estamos produzindo poucos dados e baixo volume de informações para ser usado nesta eleição em São Paulo. Isso se dá por muitos motivos – a eleição majoritária é mais importante e muito difícil, o governador erra menos em declarações e propostas, a mídia local é mais concentrada que a nacional. Enfim, o fato é que os militantes e apoiadores diminuíram e a engrenagem que move o PT articulando produção intelectual do partido, divulgação da militância e defesa da candidatura tem uma correlação baixa para as eleições paulistas.

Vou ficar em apenas um exemplo. Facebook. Temos a Dilma Bolada (iniciativa isolada de um fã da presidente) – que gerou a imitação da Band da presidenta; isso ajuda a gerar simpatia entre o eleitor e o político, não tenha dúvida. Agora temos o Haddad Tranquilão... e surgiu o Haddad Prefeito Gatão – certamente o segundo é ação espontânea da militância. Sites, temos vários de apoio à presidenta. Brasil Muda Mais é o que recebeu mais ataques da oposição, mas não só. Vários blogueiros. Tudo isso é material que a militância usa porque de tudo isso surgem argumentos em defesa da candidatura, do governo, de tudo. Vejamos que até a popularidade de Fernando Haddad que está sob constante e incessante ataque em São Paulo teve um salto enorme para melhor.

Não é incompreensível que Padilha esteja em baixa. Os tradicionais votos petistas estão em risco no estado porque o trabalho se concentra em prefeitos, deputados e lideranças sem espalhar-se pela base social do partido de forma a aglutinar forças. O formador de opinião é fundamental. Só somos reféns da mídia hoje porque pecamos no ataque e no contraponto. Está limitado à esfera nacional o voluntarismo que tanto caracteriza a militância petista. Isso não deve ser visto como um problema estrutural do Partido, porque não afeta sua base eleitoral tradicional nas cidades industriais e redutos clássicos, mas pode ser um fator conjuntural decisivo e não encontra respaldo em regiões densamente povoadas deste estado, o que traz problemas recorrentemente.

Lula perdeu a eleição de 1989 por conta de seu baixo desempenho em São Paulo. Conseguiu vitórias acachapantes contra o PSDB com a ajuda de um bom desempenho em São Paulo. Perdeu para Serra em 2002, mas não por muitos votos e venceu Alkmin no segundo turno, inclusive em São Paulo. Mas se tivesse ganhado de Alkmin já no primeiro turno, não haveria segundo turno nas eleições de 2006 (veja o gráfico 5). Ou seja, não é que seja impossível ter votos em São Paulo, mas é muito difícil e cheio de percalços o caminho petista em São Paulo. Sempre vai ser um problema conseguir votos no estado.


Feita a exposição do quadro local, nos resta apenas uma pergunta: qual o efeito disso para a eleição presidencial? Atribuir ao baixo desempenho da campanha de Padilha o também baixo índice de intenções de voto para Dilma é um exagero descabido. Não existe uma relação direta de causa e efeito entre uma coisa e outra. É mais coerente acreditar que os dois são consequência das mesmas causas. Além disso, mais para a presidenta do que para o ex-ministro, o baixo desempenho em São Paulo pode ter efeitos negativos imediatos.

Dilma tem chances reais de ser reeleita em primeiro turno. Com o desfalecimento da campanha de Marina Silva, seu crescimento regular amplia a cada dia as chances. Talvez basta que cresça mais 5% ou 6% (o que significaria tirar mais 5% ou 6% das outras candidaturas e ampliar mais 10% ou 12% de vantagem sobre os outros candidatos). Seria um crescimento necessário de menos de 1% a cada dois dias. Neste ponto, São Paulo pode ser decisivo. Primeiro porque o estado está bem abaixo do seu potencial para o PT. Segundo porque o adversário não é o candidato do PSDB que tradicionalmente é defendido no estado, mas uma terceira figura.

Durante muito tempo a campanha petista preservou a presidenta de eventos em São Paulo por conta do risco que a instabilidade em relação ao PT poderia causar. Mas, hoje a situação é bastante diferente e você pode minimizar qualquer risco gerando mobilização de apoiadores e militância. Além disso, a estratégia pode ser revista porque o adversário já não é mais o candidato do PSDB, mas uma candidatura que cresceu pelo antipetismo e que se alimenta inclusive da sua relação com o subproletariado (que hoje se identifica mais com Lula do que com qualquer outro político do país).

Uma votação expressiva (acima dos 40%) em São Paulo é imprescindível para ganhar as eleições presidenciais de 2014? Não. Talvez menos votos em São Paulo possam ser compensados por outros estados. Como já ocorreu. Mas, pelo fato do estado ter a maior proporção de eleitores e do PT estar abaixo do seu patamar histórico, não é difícil mudar a situação local e gerar fatores que possam contribuir para a reeleição ainda em primeiro turno. Com 30 a 35% de votos paulistas certamente Dilma se reelege na primeira rodada. E uma estratégia como essa tem uma boa dose de vantagem em termos de custo/benefício. Mas, para isso será preciso recuperar e mobilizar rapidamente uma militância aguerrida, espontânea e voluntária que esta nas universidades, no jornalismo alternativo, nos profissionais liberais etc, que andam pouco atenta no interior do estado.

De outro lado e independente da questão imediata, reestruturar o PT de São Paulo é fundamental ou sempre vão ocorrer perrengues e mais perrengues nacionais por conta da desatenção que se dá a organização partidária local e cotidiana.

Luis Fernando Vitagliano
é cientista político e professor universitario.



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