por Luís Fernando Vitagliano*
A tragédia que trouxe ao primeiro
plano Marina Silva como protagonista da corrida presidencial de 2014 certamente
é um fenômeno inesperado. Mais interessante é que neste momento Marina catalisa
e expressa sentimentos antagônicos de toda estirpe e categoria social: entre
alguns, ganha ares de messiânica, saiu dos mangues de látex, tornou-se uma
política bem sucedida e, por evitar estar no acidente aéreo, tornou-se
predestinada a eleger-se como presidente para representar miseráveis e sem
esperanças; entre outros expressa o desejo de mudança com sua ‘nova política’,
uma terceira via de desenvolvimento sustentável que concilia interesses; também
é a expressão de políticas conservadoras que, finalmente, associa-se a
esperança de derrubar a presença do PT no governo. Como seria possível uma
candidatura capaz de representar uma gama tão vasta e contraditória de
aspirações?

Em essência, Marina ganha
protagonismo justamente por não representar nenhuma das alternativas acima. Não
é uma líder messiânica, embora deixe transparecer propositadamente ares de
humildade e devoção. Não tem nenhuma proposta consistente para o meio ambiente,
tanto que seu ministério foi inexpressão em resultados, além de seu
ecocapitalismo ser constantemente questionado por ser confuso e/ou
impraticável. Ao defender a política de
austeriade do Banco Central e sua independência, flerta com o mercado
financeiro, mas fala em justiça social, distribuição de renda e melhoria para
os mais pobres com ajuda do Estado talvez sendo incapaz de cumprir qualquer uma
das duas promessas. Ao falar do PT (partido que fazia parte até recentemente)
defende que quer governar com Lula – e FHC – o que é inviável em qualquer
cenário político.
Marina, por tamanhas as
contradições sobre o que diz e o que propõe fazer, corre o risco de não ter
nada em sério que a sustente. E talvez seja justamente suas inconsistências que
a tornem fenômeno eleitoral. Para isso temos que concordar que existe um forte
movimento de infantilização da política.

O movimento de infantilização da
política não é exclusividade da atual campanha eleitoral. Humor,
ridicularizações, jingles, frases de efeito, efeitos em áudios e vídeos das
propagandas e todas as ações de marketing vêm ganhando protagonismo ante
propostas e debates. A política tornou-se terreno fértil do espetáculo. O
objetivo das campanhas tem sido busca atrair para o grande publico para o circo
de atividades e, independente do debate, conquistar o voto. Assim como no
consumo, os políticos tem retirado a ideologia do seu discurso, para vender
facilidades a um público cada vez maior. Assim, não importa o que ocorre antes
ou depois de uma eleição, não importam as consequências dos atos e as
responsabilidades públicas, importa que o voto seja conquistado. Só num mundo como
este, onde não se discute decisões, deliberações, ganhos e perdas, vencidos e
vencedores, Marinas, Fernandos e Jânios surfam desimpedidamente, na crista da
onda criada pelo vácuo do debate.
Não existe segredo em política.
Também não existem milagres. Políticas tratam de propostas e problemas. Boas
políticas públicas resolvem problemas difíceis. Boas políticas são como bons
remédios: tem gosto amargo, aparecem com um dano, mas podem gerar bem-estar
social. Bons políticos tomam decisões difíceis.
A vida adulta ensina a cumprir
compromissos. Ainda que sejam duras as obrigações, descobre-se em algum momento
que cumpri-las é o melhor caminho para o sucesso. Ter responsabilidade
significa muitas vezes optar por caminhos difíceis de trilhar, em alguns casos
mais longos, em outros mais penosos. E não se trata de tornar-se conservador
para alcançar as boas decisões, porque ser responsável não é sinônimo de ser
conservador.
Do mesmo modo, o caminho da
política não é um caminho fácil. Mas, em democracia, desacreditar no voto e
desacreditar na política é o caminho dos irresponsáveis e imaturos. É também
eximir-se da decisão. É uma manha como dizer: “se não tem o que eu gosto eu não
faço nada". Isso gera um processo de esvaziamento da política que premia
aventureiros. Independente de qualquer desgosto com a política, necessariamente
teremos políticos que vão deliberar; se a sociedade não acompanha, os
oportunistas podem se dar ao luxo de deliberar mau e decidir errado – ou pior:
decidir propositadamente em favor pequenos grupos em prejuízo das necessidades
públicas.

O movimento é até mais amplo. Boa
parte de nossa sociedade – assim como crianças, jovens e adolescentes imaturos
– tem evitado decisões difíceis. Jovens não gostam de tomar decisões que
resolvem problemas, mas comprometem desejos. Se com pouco dinheiro, por
exemplo, uma criança e tentar comprar doces e sorvetes, o vendedor pode
força-la a escolher entre um e outro. A simples situação de tomada de decisão
paralisa a criança e a faz chorar. Quando não buscam formas controversas de
conseguir o que querem, como manhas ou tentativas de mudar as regras, crianças
ficam insatisfeitas com resultados parciais para seus desejos momentâneos. Do
mesmo modo ainda imaturo, os jovens não gostam de ser contrariados. Não
suportam que seus desejos não sejam atendidos. Não gostam, por exemplo, de
pagar contas porque os pagamentos inibem seu poder de compra. É normal que
durante um período de adaptação os adolescentes sejam irresponsáveis com suas
obrigações. Só ganham autonomia os jovens que demonstram ser responsáveis, seja
na vida financeira ou na parte afetiva.
Não é preciso defender nada de
novo para mudar a política. Não há formula mágica como querem os adolescentes
para conseguir sorvetes e doces. No Brasil, para fazer um governo marcante,
basta aprovar as reformas tributária e política. Basta rever a concentração de
patrimônio e fortalecer as agencias de regulação. Basta fazer uma política de
austeridade econômica com defesa contra crescimento de inflação e desemprego.

Quando o fenômeno Marina despontou,
a avalanche de empolgação obscureceu a dúvida sobre a aplicabilidade da sua
proposta de nova política. Não se sabe se é ou não em favor de privatizações,
só se sabe que vai rever a partilha do pré-sal. Não é claro se vai manter,
reduzir ou ampliar os programas sociais do governo. Sequer esta clara a sua
política sobre sustentabilidade. Ao que dizem suas ultimas declarações ela
abandonou essa bandeira em favor do voto do agronegócio. Também acenou para
políticas de tolerância com leis de igualdade para LGBT, mas as abandonou em
favor dos votos evangélicos. Até o presente momento, suas deliberações são
unicamente em favor do mercado e do voto de grupos majoritários. Se tomarmos
como referencia a única decisão concreta que sugere Marina – a autonomia do
Banco Central – seu governo pode abandonar as políticas sociais e de geração de
emprego e renda aos mais pobres em favor de crescimento econômico com
concentração de renda. O que é não só uma política velha, mas também
retrógrada.
Marina mira o voto dos mais
pobres sabendo que suas propostas fatalmente vão traí-los. Se cada vez que Marina
apontar para um lado eleitoral, atirar em outro lado da sociedade, sua
candidatura não pode ser levada à sério. Porque não apresenta a consistência de
quem fala claro ao eleitor.
Enfim, no fundo, a diferença
entre a infantilização da política expressa por Tiriricas e por Marinas é que uns
nos levam para a comédia, e a outra nos leva para a tragédia.
Luís Fernando Vitagliano é cientista político e professor universitário.
Um comentário:
Meu caro Luis.
Um artigo muitíssimo bom e providencial. Blablarina trata o povo brasileiro como retardado. Joga exclusivamente na ignorância, no jogo baixo, porém se engana ela, pois o povo não é bobo e já deu inúmeras demonstrações. Esperamos que o próprio povo dê um basta nisso. Parabéns pela reflexão.
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