domingo, 26 de fevereiro de 2012

A Dama de Ferro, o neoliberalismo e as lições para a presidenta do Brasil

Muito instigante o lançamento do filme “A Dama de Ferro” no atual contexto político. Retratar Margareth Thatcher (primeira ministra da Inglaterra que comandou o país por 11 anos, se tornando a primeira mulher a comandar uma potencia econômica ocidental) em um filme certamente vai ressuscitar ideais adormecidos e batalhas superadas.

A produção certamente ganhará ainda mais notoriedade quando trouxer o terceiro Oscar à recordista de indicações Meryl Streep. Passando rapidamente pelos fatos históricos que marcaram a vida pública de inglesa, a história tenta mostrar como a firmeza nas próprias convicções conservadoras levou Thatcher a liderar seu partido numa ascensão que a colocou no poder por seus 11 anos e que, entre outros triunfos, viu o fim da “guerra fria” com a derrocada socialista. Sempre acompanhada de uma bolsinha tira colo, abandonou o chapéu, mas nunca o vestido. A voz e o particular jeito de andar são divinamente imitados por Meryl Streep.  O filme mistura cenas da juventude, do governo e da velhice de Thatcher e tenta dar conta de muitos momentos políticos. Imagens reais de acontecimentos da época passados panoramicamente podem ser marcantes ao inglês médio de quarenta anos, ou para um estado-unidense engajado, mas um pouco difícil de perceber o sentido de alguns dos símbolos daqui do Brasil. De qualquer modo, o filme cumpre seu papel e ganha ares de documento.

Na economia política o governo de Margareth Thatcher é conhecido por ser o primeiro e mais radical exemplo do neoliberalismo. Apoiando nas ideias desregulatórias e de livre mercado de Frederich von Hayek e no monetarismo de Milton Friedman, Thacther iniciou um processo de ajuste fiscal do Estado, acompanhado de um processo amplo de privatizações, desregulamentação financeira e abertura comercial. Esses quatro pontos marcaram a cartilha neoliberal iniciada em 1979 com a “Dama de Ferro” e pelo seu alterego estado-unidense Ronald Reagan, e depois são difundidas mundo afora como indicações de austeridade pelo Banco Mundial e pelo FMI. No Brasil Fernando Collor começou a implementar esta agenda apenas em 1990, mas foi no governo de FHC que as medidas ganharam racionalidade. E então aqui se popularizou a frase repetida no filme: “o remédio é amargo, mas necessário porque o país esta doente...”

O fato político significativo nessa história é que as medidas neoliberais tiveram altos custos sociais e tornam-se bastante impopulares, seja nos EUA, na Inglaterra, ou na maior parte do mundo onde foram encontrados meios para sua implementação. A tolerância para o neoliberalismo já foi exorcizada pela história. Thatcher aparentemente perdeu o governo no seu próprio partido quando foi intransigente em relação ao imposto regressivo no inicio dos anos 1990 e também por suas posições contrárias ao ingresso da Inglaterra na União Europeia. O partido conservador inglês ainda teve uma sobrevida de sete anos com medidas mais amenas em relação ao radicalismo neoliberal, mas mesmo assim foi derrotado em 1997 para os trabalhistas de Tony Blair. Nos Estados Unidos, os republicanos de George Bush (pai) perderam depois de 12 anos de governo. Elegeu-se a plataforma quase socialdemocrata de Bill Clinton em 1992. No Brasil, bastaram os oito anos de FHC para tornar o neoliberalismo impopular e indefensável.

O mais interessante é observar o significado político deste filme sendo assistido hoje. No momento em que a história é produzida e divulgada, ressuscitar a figura de Thatcher e de todo o ideário neoliberal (implantado depois da segunda crise do petróleo em 1979) é fundamental: ocorre justamente alguns anos após a grande recessão que amaldiçoou o capital a partir de 2008, deflagrada com a falência do Leahman Brothers.

De tempos em tempos o velho Marx já ensinava que o próprio sistema capitalista necessita de crises. Crises no sistema capitalista não são apenas inevitáveis, são desejáveis. Têm a função de realização do Capital e de abertura de novas oportunidades de produção e reprodução da mais-valia. Assim, o sistema de acumulação precisa se renovar para fugir das pressões sindicais e trabalhistas e, com o grande capital preservado, conseguir novos meios de acumulação. Neste processo o Estado tem um papel central de controle e defesa da propriedade privada do grande capital. No caso do neoliberalismo isso foi fundamental ao promover uma saída genial para a acumulação: sofisticou a estrutura financeira e passou a realiza-la em condições muito específicas (diriam os financistas: técnicas) nunca antes cogitadas, mas muito lucrativas. Chesnais chamou esse processo de “a financeirização do capital”.

Observando o contexto de nascimento da mão de ferro de Thatcher e as similitudes com o momento atual torna-se óbvio perceber que o capital tem a necessidade de uma nova liderança. A onda conservadora que varre a Europa não é descabida ou insignificante. É um jogo duro que precisa ser realizado para levar as reformas necessárias pelo capitalismo a se concretizarem em uma nova forma de acumulação. Nem bem começamos a amenizar as consequências nefastas do neoliberalismo e já nos encontramos em nova crise. É uma hora importante para ressuscitar ícones. Figuras como a de Margareth Thatcher são o melhor exemplo do conservadorismo que venceu inovando em seus métodos, mas mantendo suas bandeiras. Uma mulher se tornasse mandataria de uma potencia econômica foi fundamental para aplicar as reformas necessárias ao conservadorismo, não à inovação. O próprio Reagen dizia nos bastidores que Margareth Thatcher era “o homem forte do Reino Unido”.

Não é de se impressionar então que tenham sido os frios russos a apelidarem Thatcher de “A Dama de Ferro”. Pois o filme explora exatamente este lado enérgico que caracterizou MT, diluído em uma Thatcher humana. Afinal “A Dama de Ferro”, mesmo sendo um ícone do neoliberalismo e uma deslavada propaganda conservadora e anti-política social, é o filme de uma mulher na política. Por isso se explora um fato histórico inegável: a mulher mais forte de um tradicional país ocidental machista era também uma mãe e esposa – e nem por isso menos solitária. A ideia foi expor o custo pessoal das convicções de Margareth Thatcher, respondendo com seu altruísmo para com seu país e para com suas convicções. Custos altos para tornar-se personagem central na história do mundo contemporâneo? Ninguém pode medir... Fiquei apenas pensando no que passaria pela cabeça da própria presidenta do Brasil hoje ao assistir este filme. Sabemos pela imprensa que em alguns momentos ela tem atitudes tão duras e rudes com seus ministros como o filme mostra em Thatcher. Em que medida as similitudes ficam apenas na coincidência do comportamento? Que convicções guarda a presidenta para realizar um projeto de governo? Perguntas que não pedem resposta... Sabemos que política não é feita somente de grandes atos e assinaturas, é (para o bem e para o mal) feita por seres humanos, por mais oxidados e fundidos que se tornem.

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