terça-feira, 15 de novembro de 2011

O mundo em pílulas...

Tenho dor de cabeça. Como diria minha avó: ou logo tomando um santo remedinho. Tenho alguma doença, o melhor é tomar remédio. Injeção só se o problema for mais sério. Às vezes é necessário. Doente tem que se submeter ao tratamento. E as reações químicas resolvem tudo. Pra uma disfunção X, um reagente Y. Para um problema Z, uma dose de W... Princípios medicinais e racionais tão comuns à sociedade ocidental.
Em geral, nada de perceber que o estilo de vida anda te levando às enfermidades... Nada de pensar que temos que mudar a rotina e a alimentação ou rever nossas prioridades... Nem nos desgastamos para pensar em que tipo de custo corporal as drogas farmacêuticas nos fazem. Fato que se tornou comum e corriqueiro: tomar um remédio, fazer uma aplicação e/ou  se submeter a um tratamento rápido que está tudo resolvido.
Temos tratamentos para as doenças, para a estética, para as consequências de todos os nossos desvios, para os nossos abusos, técnicas para nossas debilidades e tudo se resolve. No final, esse modo de vida não nos estimula a pensar sobre nós mesmos. Não nos ajuda a sermos donos dos nossos problemas. Se preciso de algo para a saúde, confio plenamente em um médico. Se preciso de algo para o carro, tenho um mecânico de segurança. Para a casa, há sempre um arquiteto preparado para ajudar. Pagamos por nossas decisões. E exigimos resultados.
No final da história, se estamos insatisfeitos mesmo depois de pagar, tomamos outras drogas e aí não há problema. Mais ou menos a profecia lançada pelo livro de Aldo Huxley “admirável mundo novo” se concretiza – não pelo soma, mas pelo antidepressivo.
Atualmente o mundo se resolve com antidepressivos. Rivotril é segundo remédio mais vendido no Brasil, ficando atrás apenas de um anticoncepcional. (Bem, somando os dois: se estamos enlouquecendo, pelo menos estamos preocupados em não transmitir nossas loucuras às gerações futuras).
O fato é que a prática médica da pílula nos coloca em frente às mesmas exigências em outros campos. Queremos tudo já e agora... Esperar para que? Ansiedade sobre ansiedade. E rivotril para conter incertezas e indecisões. Difícil conseguir provar que as pessoas de hoje são mais ansiosas que antigamente, mas a impressão geral é esta. Parece que geração sobre geração a ansiedade se acumula e a paciência se esgota. Se isso for verdade, para manter os efeitos da ansiedade sob controle usamos as drogas (sejam as legalizadas, sejam as ilegais, sejam os vícios imperceptíveis), mesmo sabendo que os efeitos são paliativos.
Nosso estilo de vida racional leva-nos a um beco sem saída. Temos especialidades em tudo, delegamos funções e as pessoas acabam por resolver nossos problemas, com técnicas sofisticadas. Economizamos tempo e dedicação. E queremos tudo em doses medidas e sem esforço. Como se a vida sempre se resolve como a bula de um fármaco.
Se eu entro no restaurante e a comida demora mais que 15 minutos, reclamo do atendimento. Mas, os restaurantes já não estão mais dando essa gafe. Se vou a um shopping, melhor que tenha manobrista. Se vejo um filme, não pode passar de uma hora e meia. Se compro um livro, as histórias tem que ser curtas, claras e precisas.
Ahhh, como eu gostaria que os livros não seguissem a mesma trajetória da medicina. Da enciclopédia à novela, da novela ao romance, do romance ao conto, do conto à crônica – até este momento havia uma coexistência pacífica. Mas veio a literatura de auto-ajuda. E vieramo os especialistas em simplificar a filosofia , a história e sociologia – afinal, o medíocre e o preguiçoso também se interessam pelas questões da existência. E a revolução digital deu o novo mote: da crônica veio o blog, do blog escreve-se no facebook, do face ao twitter. A vida contada em 140 caracteres. E por que alguém quer uma história com mais de 40 palavras? Desperdício... é verdade!!!
A literatura pode e provavelmente também cederá ao nosso estilo de vida em pílulas. Faz parte do desenvolvimento da vida moderna. Tudo bem, não fiquei triste nos outros casos, aceito que aconteça também em meu meio... agora, neste caso peço licença que vou ali tomar um Rivotril...

Um comentário:

Andrea de Godoy Neto disse...

perspicaz este texto, muito.
Essa vida em pílulas tão prática para quem gosta de viver às pressas e sem sentir gosto...

se a literatura cede a este estilo? não sei, sempre penso que haverá remanescentes, que as boas obras restarão incólumes nem que seja para futuras gerações futuras, aquelas que já terão entendido que fragmentar o todo não o torna mais aprazível, que terão superado os faces e twitter da vida e terão reaprendido a se relacionar com as pessoas, com o mundo, com a cultura.

beijo
saudade de ti!