domingo, 18 de setembro de 2011

Poesia e Borboletas Negras

Não quero que o leitor desta postagem pense que estou indicando um filme. Na verdade, não é esta a intensão. Mas, sim, vou falar de um filme: de Black Butterflies, produção holandesa, trazida para o português como Borboletas Negras. O fato é que ao recolher o caderninho do ócio para o final de semana, vi que este filme teria pré-estreia em data e horário que costumeiramente não vou ao cinema. Mas, com duas ou três ligações virou programa de sábado. Aí a coisa muda de figura. Tudo combinado, companhias das mais agradáveis e na ausência da pipoca um café pra manter os olhos atentos. Melhor prevenir porque eu sabia que não enfrentaria qualquer filme hollywoodiano. Holandeses (colonizadores da África do Sul e ancestrais dos africâners que acabaram sendo o grupo social que dominou a política do Apartheid naquele lugar, seria no mínimo interessante).

E não decepcionou em relação à polêmica. Borboletas Negras fala de poesia, política, racismo, feminismo, violência, sexo e liberdade. O filme passa pelas relações entre escritores, entre pai e filha, coisas de amor e amizade... termina com Mandela. Sim, este mesmo: Nelson Mandela. Não tem nada a ver com a história, mas a poetisa Ingrid Jonker é a preferida de Mandela. O filme conta a história da artista, sua vivência como mulher e como africâner.

Todos esses elementos formam um coquetel duvidoso para uma avaliação descomprometida da minha parte. Como são questões que instigam minha cabeça e me provocam no sentido positivo do termo, acho duvidoso indicar como um bom filme. Claro que tem bons atores, ótima fotografia, tomadas incríveis, mas não é um tema fácil, muito menos uma história cheia de eventos e acontecimentos e não espere um final feliz que faz a mocinha e o mocinho ficarem juntos e felizes para sempre. Eu gosto de não seguir o roteiro, você tem que conferir para dizer.

Baseado em fatos reais, o pano de fundo de Borboletas Negras é a política do apartheid defendida pelo pai de Ingrid Jonker (um parlamentar africâner) e criticada pela filha não apenas nos poemas, mas também em declarações públicas. Polêmica, instável e incapaz de se adequar às regras sociais – como um pé sujo incapaz de vestir um sapato velho – Ingrid Jonker torna intensos todos os ambientes em que viveu. Mais que a situação política da África do Sul que foi captada por sua sensibilidade, as necessárias formas de subserviência feminina nitidamente a oprimiam.

O filme, cheio de escritores e candidatos a intelectuais, me fez pensar em como nos expressamos – a nosso respeito e a respeito do que nos cerca. Será que o incômodo motiva a escrita? Talvez a poesia de Ingrid Jonker tenha saído como uma forma de expressão da sua inquietação; ou talvez como uma tentativa de pedir ajuda; ou, quem sabe, simplesmente porque era seu modo mais sociável de se relacionar com o mundo. Mas, certamente o poder das suas palavras transformava o mundo a sua volta, mais contra que em seu favor... Então por que escrever, se a escrita pode trazer sofrimento? Buscar a liberdade e encontrar a prisão, ou buscar o amor e encontrar a indiferença, que palavras encontrar para explicar tantos paradoxos? E se as palavras te levam ao paradoxo, por que tanta passionalidade em relação a elas?

Quem gosta deste incômodo: de pensar e não encontrar respostas, de se aporrinhar com as injustiças, de insatisfazer-se com o que está posto, este filme pode ser uma boa pedida. Acho que uma das maiores gentilezas da produção é que podemos olhá-lo por vários ângulos: o da mulher, o da filha, o da poetisa, o da militante...

Mas, enquanto vocês esperam uns dias até que as estreias coloquem o filme em cartaz (posso dizer isso porque o número de cadeiras vazias denunciava a pouca atenção dada pelo público na única seção do fim de semana), busquei na internet o poema mais citado no filme e que foi lido por Mandela no dia da sua posse como presidente democraticamente eleito da África do Sul. Para aqueles que gostam do tema, talvez esta provocação crie uma boa expectativa. De qualquer maneira, os versos têm força própria e sabor de sensibilidade... Independem do apreço ou não que o filme possa gerar.


(Atenção à tradução. Escrito em africâner, eu usei o Google tradutor, obvio. Tentei usar a versão em inglês e das duas tirar minha versão em português. Se alguém tiver sugestões de melhora nos versos, à vontade nos comentários, são bem vindos).


A criança (que foi morta a tiros por soldados de Nyanga)
A criança não esta morta
A criança levanta os punhos contra sua mãe
que África gritou gritou o fôlego da liberdade do brejo
nos locais de coração sitiado,
A criança levanta os punhos contra seu pai
numa marcha de gerações
que África gritou gritou o gosto
de justiça e de sangue
A criança não esta morta
nem em Langa nem em Nyanga
nem em Orlando nem em Sharpville
nem na delegacia em Philippi
onde ela se encontra com uma bala na cabeça


A criança é a escuridão do soldado
de guarda com fuzis sarracenos e cassetetes
a criança está presente em todas as assembleias e legislações
a criança olhou através da janela das casas e nos corações das mães
a criança que só queria brincar ao sol de Nyanga está em toda parte
a criança que se cadastrou homem veio andando por toda África
a criança que se cadastrou numa imensa viagem por todo o mundo


Fez sem salvo-conduto

em africâner:
Die kind (wat dood geskiet is deur soldate by Nyanga)
Die kind is nie dood nie
die kind lig sy vuiste teen sy moeder
wat Afrika skreeu skreeu die geur van vryheid en heide
in die lokasies van die omsingelde hart
Die kind lig sy vuiste teen sy vader
in die optog van die generasies
wat Afrika skreeu skreeu die geur
van geregtigheid en bloed
in die strate van sy gewapende trots


Die kind is nie dood nie

nòg by Langa nòg by Nyanga

nòg by Orlando nòg by Sharpville

nòg by die polisiestasie in Philippi

waar hy lê met ‘n koeël deur sy kop

Die kind is die skaduwee van die soldate

op wag met gewere sarasene en knuppels

die kind is teenwoordig by alle vergaderings en wetgewings

die kind loer deur die vensters van huise en in die harte van moeders

die kind wat net wou speel in die son by Nyanga is orals

die kind wat ‘n man geword het trek deur die ganse Afrika

die kind wat ‘n reus geword het reis deur die hele wêreld


Sonder ‘n pas

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