quinta-feira, 14 de julho de 2011

Crônicas de Supermercado

Umas das coisas que mais me deixa aflito é passar pelo caixa de supermercado. Enfrentar a fila, olhar para a cara das pessoas. Tudo bem que ultimamente, como tenho frequentado aqueles hipermercados paulistanos que só se chega de carro pelas avenidas relativamente afastadas ou um 24hr perto da minha casa que é bem carinho, meus problemas com o caixa de supermercado tem diminuído. E não digo isso porque sou impaciente com a fila. Se esse fosse o único problema eu colocaria aqui a fila para pagar a conta no self-service, a fila do estacionamento, a fila do banco, a fila da lotérica, enfim, cotidianamente temos filas e eu, como todo mortal, as enfrento com irritação.

Mas não caro leitor; são as filas nos supermercados e não são todos os mercados que me despertam este sentimento. Alguns supermercados apenas me causam aflição: basicamente os supermercados populares. Você neste momento deve estar pensando que sou um cara fresco, engomadinho, cheio de nojos. Mas, não! Quer dizer, não que meu problema seja eu ser um engomadinho cheio de nojos... acho que não sou e de qualquer forma não me importo com o que pensam de mim. Meu problema com os supermercados populares vão muito além das minhas frescuras.

Sempre que vejo alguém comprando um pacote de arroz – e só um pacote de arroz – fico pensando se é aquela a única alimentação da pessoa e sua família. Se é pra semana ou mais, se vai ter alguma mistura; enfim: piro! Outro dia, entrei em um desses mercados e esperei na fila atrás de um rapaz que comprava o seu pacote de arroz e uma caixa de fosforo. Olhei no relógio e vi: era dia 28... Faltavam poucos dias para acabar o mês, mas uns 5 dias ainda para a semana do pagamento. O rapaz pagou sua conta com 5 reais, pegou seu troquinho em moedas e foi embora. Estava sujo como quem volta do trabalho, tinha as mãos grossas e a pele queimada. Eu comprava um refrigerante, algumas giletes para barbear e ainda decidia se levava um sorvete de massa ou de palito. Me senti um tanto envergonhado...

Mas, nenhuma das minhas esperas foi mais angustiante que uma vez em que entrei atrás de uma velhinha. A velhinha era toda distinta. Vários ornamentos, pulseiras, colares, broxes, uma echarpe pra combinar, quitutes nos cabelos pra enfeitar: bonitinha. Ela estava um tanto quanto incomodava, respirava forte e virava para os lados. Só entendi porque depois. A frente dela havia um senhor de chinelos havaianos (nos tempos em que havaianas eram coisa de pobre), a calça pula brejo estava um pouco esgarçada e dobrada, a camisa surrada e suja, a barba por fazer, seu rosto com inúmeras rugas, marcas de expressão  e a excessiva exposição ao sol denunciavam uma provavel idade mais avançada que o registro. Este senhor aparentava quem acabara de chegar de algum trabalho em que a terra fora remexida. Irônico é que ele aguardava pacientemente a caixa contar todas as suas moedinhas. Uma por uma (muitas de 5 centavos, 10 centavos) a moça ia somando e a frente dele, postado como um troféu no balcão havia um frango assado, com as coxas pra cima. Acabei por recordar deste senhor escolhendo o frango enquanto eu passava para fazer minhas compras de bugigangas industrializadas. Ele pegou vários frangos e olhou o preço antes de escolher o seu. Provavelmente contou várias vezes o dinheiro que tinha... não há dúvidas de que havia muita honestidade naquele semblante surrado.

A cena se alongava e me incomodava muito. E daí se faltava 10 ou 20 centavos? Ou 50 talvez... Eu sei que a caixa poderia ter do seu próprio salario a diferença descontada. Mas, o que fazer se faltasse dinheiro? Dizer pra aquele senhor que olhava praquele frango com fome e vontade inexplicáveis que ele não deve levar porque faltam 50 centavos? Fiquei num misto de choque e comoção. Chocado porque ninguém ali se preocupou em sequer saber se era a primeira refeição do dia daquele senhor. Pelo seu olhar, fixo na comida, pela sua boca engolia de tempos em tempos saliva que espumava, pelo seu aspecto sofrido não restava dúvidas de que o frango faria enorme diferença. Milhões de coisas passavam pela minha cabeça enquanto cada moeda era conferida. Quantas bocas aquele frango ia alimentar? Quantos filhos aquele homem tinha? Trabalhou o dia todo, conseguiu moedas, mas ia comer junto dos filhos ou será que abriria mão da própria fome para alimentar outros, ou sua mulher, por exemplo? Que mundo injusto, eu aqui comprando sabonete, papel higiênico e paçoquinha... E esta senhora, ainda incomodada com aquele senhor...

Por algum momento pensei em intervir. Dizer pra devolver as moedas ou parar de contar e deixar aquele senhor ir embora com seu frango. A diferença ou qualquer coisa eu pagava... Hesitei e os acontecimentos tomaram rumo próprio sem a minha participação. A moça do caixa, com uma cara péssima de mau humor por ter que contar todas aquelas moedas ainda devolveu 15 centavos ao senhor. Ele, contente, saiu com seu frango embaixo do braço. A senhora à minha frente caminhou já menos irritada... e eu fui o próximo. Fui pra casa sem fazer nada mas prometendo que se um dia pudesse, ajudaria essas pessoas. As vezes ainda vejo o rosto daquele senhor quando vou no mesmo mercado...

Para mim, ser socialista não é teorizar sobre o amanhã, sobre a utopia ou sobre uma revolução que mais destrói que contrói. Tambem não é querer tirar dinheiro, propriedade ou quaisquer benefícios de outros. Não é depreciar pessoas, posições ou situações. Pra mim, ser socialista é lutar para que todos tenham dignidade e condições mínimas. É lutar para que cada trabalhador possa usar seu potencial, colaborar com a sociedade e viver dignamente. Ser socialista pra mim é não aceitar como normal que muitos trabalhadores cheguem ao final do mês sem condições dignas para alimentar sua própria familia...

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