segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Preconceitos, estereótipos e clichês – autocrítica de um cientista social.

Estereótipo é só uma imagem distorcida de alguma categoria social. Preconceito é quando a imagem desta categoria social passa a ser vista degenerativamente. Clichê é quando adotamos estereótipos e preconceitos já consagrados e nos tornamos nós próprios a imagem distorcida degenerada.

Seria fácil se esses conceitos pudessem ser resumidos em três. Mas, não é bem assim. Porque não há categoria social que não seja em alguma medida distorcida. Por isso, preconceitos sempre esbarram em interpretações errôneas, destacando aspectos que não condizem com a realidade dos fatos. Já os clichês são formas de forçar certas distorções de imagens e trazê-las para a criação de grupos.

Tenho sempre a impressão no Brasil de que preconceito é uma questão espacial, talvez territorial. Respeito este ou aquele com tanto que fique na sua, ou longe da minha. Gosto de pobre, mas tem que ser limpo e viver longe da minha casa. Não tenho nada contra gay, mas se meu filho for isso eu dou-lhe uma surra. Não sou preconceituoso, só quero o diferente longe de mim.

Um dia vi amigos que eu considerava relativamente abertos discutindo futebol. Aí diziam que no futebol o cabra não pode ser gay. Não pode por que? Ahhh, depois você está lá no vestiário, tomando banho e o cara tá lá... (e aí? Cai o sabonete e o banho acaba?).

É a velha imagem distorcida e machista de que os gays vão sair agarrando homens à torta e à direita, sem critério, sem senso. É preconceito achar que gays podem certas coisas e não podem outras. Baseado em um estereótipo sobre o comportamento homossexual. Pura falta de capacidade para observar e entender o outro.

Claro que tudo isso seria fácil se não houvesse questões como identidade e reconhecimento envolvidos. Identificar-se com certo padrão social dá conforto e noção de inclusão, de pertencimento. Quando aceitamos determinadas regras, somos parte de um grupo... e esse grupo se faz também em oposição a outros grupos. Os skatistas, p.ex., formam um tipo social e o que os une é o gosto por skates. De repente, quando falamos em skatistas vem à mente uma pessoa com roupas largas, tênis grande, cinto no meio da cintura, cueca aparecendo (homem ou mulher, usam cuecas) e boné virado pra trás. Ok – existe mesmo muitos skatistas assim. Mais o ponto é que skatista é skatista porque gosta de skate - não porque usa roupa assim ou assada. Se não esta ‘estilo’ skatista, não quer dizer que não deve ter seu gosto respeitado pelos pares ou por outros que dizem: mas você nem parece skatista.... Onde está escrito que tem que parecer?.

Aí começam os clichês. Para pertencer a um grupo, criar identidade, eu tenho que me enquadrar a certos padrões. Tenho que agir assim ou assado, vestir assim ou assado, me comportar assim ou assado. Para minha identidade filiar-se a determinado padrão, minha personalidade deve reduzir as escolhas e minha capacidade de decisão vira refém da identidade do grupo e daquela condição de mundo. E estão prontos os clichês.

Uma vez, conversando com a namorada de um amigo, ela me disse: “Não acreditoooo! Você nunncaaa fez limpeza de pele?”. Não. Pensei comigo: essa eu não sabia! Condição de existência agora essa tal limpeza de pele? Ou então é a nova Meca? Uma vez na vida você tem que visitar Mecá, plantar uma arvore, escrever um livro, ter um filho e... fazer limpeza de pele. Nada de errado com ela. Pelo menos nada que a diferencie de todos os outros animais da categoria homo-sapiens. Simplesmente a questão dos cosméticos era importante pra seu entorno – no mundo dela, limpeza de pele devia ser um clichê tão habitual quanto cortar o cabelo; eu é que era o patinho feio. No meu mundo, limpeza de pele é tomar banho e lavar o rosto – mundos diferentes, identidades diferentes.

Seria um mundo pacífico que assumíssemos nossos clichês e respeitássemos os clichês alheios, sem criar estereótipos ou partir para preconceitos.

Estudei numa ‘escola’ onde supostamente cientistas sociais em formação deveriam despojar-se de seus preconceitos, deixar de construir estereótipos e evitar clichês. Hoje, olhando pra traz, acho que éramos, dentro da universidade, os mais preconceituosos, estereotipadores (sic) e cheios de clichês - mas nem quero pensar em um ranking disso, seria vergonhoso.

O fato é que para ser cientista social era preciso ser indignado com as instituições. À começar pela instituição do banho. Imperialismo burguês essa história de tomar banho todo dia. Depois vem a moda: o negócio era usar as camisetas encardidas dos congressos e deixar a barba crescer. E todo o sentido em ser cientista social se esvaece. Cria-se um estilo em que os mais adequados ao padrão que falam a respeito da intersubjetividade do multiculturalismo atrelada à renuncia ao imperialismo saxônico no mundo da modernidade líquida que busca formas de luta anti-imperialista burguês (ou seja, um amontoado de palavras sem sentido). O estilo cola como alternativo e pronto e começamos a nos achar... Então: todos os engenheiros são canalhas, todas as meninas da área da saúde são patricinhas, os pedagogos são pedabobos, o povo da Educação Física só faz ginástica, cuida do corpo e não tem cérebro... daí pra frente.

E pior ainda não chegou; pior é o preconceito interno. As meninas que se vestiam “mais arrumadinhas” eram vistas com o nariz torcido. O negócio era não se depilar por uma posição de gênero. Chegava a ser irônico o que contavam minhas colegas que estudavam ciência sociais diurno e direito à noite. Durante o dia eram consideradas patricinhas por que iam todas arrumas; chegava à noite eram consideradas pé sujo porque não estavam de scarpin, maquiagem ou não combinavam o dourado do brinco com algum brilho da roupa; enfim, essas coisas. Com os homens a roupa pegava menos, mas os barbudinhos comandavam. Resultado: tive muitas das colegas feministas e contestadoras de questões de gênero que tempos depois casaram-se como manda a tradição católica apostólica romana: na igreja, seguindo a marcha nupcial de mendelssohn e com vestido branco de renda simbolizando a pureza... sei!! E alguns amigos revolucionários que seguiram os passos dos país na política ou nos negócios.

Confesso que essas questões de estética não me pegavam muito. Eu até achava ironico, divertido. Mas, as discussoes sobre idéias sim me incomodavam - batante. Discuti na faculdade, por diversas vezes, a “polícia do pensamento” que havia. Ninguém podia propor certas idéias consideradas de direita por ali. Corria-se o risco de ser excluído da convivência coletiva. Defender privatizações, nem pensar. Querer falar sobre posições políticas em favor do liberalismo econômico era uma coisa execrável. Nem tanto o conteúdo me incomodava, mas nosso modo incisivo de recusar sem taxar de ‘impuro’ o pensamento do outro.

Digo isso porque me parece ser um dos mais perfeitos exemplos de que preconceitos, estereótipos e clichês existem em todos os lugares. Independentemente de termos noção ou não do que são, do seu impacto ou do prejuízo que causam à sociedade - em grupo, havia uma coerção por certas vestimentas, comportamentos e pensamentos. Aí de quem furasse o bloqueio.

Claro que se partirmos para uma sociologia funcionalista, tudo há um porque. Me lembro que no mês da entrega dos relatórios de pesquisa, eu realmente tomava banhos de gato, vestia qualquer roupa que via na frente com tanto que fossem confortáveis, esquecia de fazer a barba e sequer me olhava ao espelho. Fazia parte do modo de proceder, de um modo meio caótico e desesperado de quem não sabe muito bem como se faz o trabalho cotidianamente, mas que aos poucos vai-se aprendendo a lidar. Não era uma coisa forçada, nem desejada, simplesmente acontecia por circunstância do momento.

Acaba inevitavelmente virando um estilo se não se controla - bom, as vezes se deseja. É como o advogado que vai ao fórum com seu terno e gravata. Ele não precisa usar isso aos finais de semana, ou pra ir jantar com a família. Mas, acaba virando sua identidade também fora do trabalho. Para alguns, antes mesmo da necessidade, a ânsia por tornar-se aquele estilo de profissional acaba antecipando-se e assumindo o estilo. E quem nunca cometeu esse pecado? Só quero condenar aqui aquele que acusa o estilo alheio sem nunca ter olhado seu próprio ou seu passado.

2 comentários:

Andrea de Godoy Neto disse...

bah! e eu que achei que tu era limpinhooo...rsrs
gostei do texto. E que atire a primeira pedra aquele que não tiver seus próprios preconceitos (ainda que estejam escondidos ou disfarçados em ideologias)

beijooo

Patrícia Bianco disse...

EU RI ALTIIIISSSIMO COM O COMENTÁRIO DA NAMORADA DO SEU AMIGO!

Sensacional, engraçado como somos, e como pessoas ao nosso redor são clichês, e isso é até engraçado na modernidade