domingo, 26 de setembro de 2010

Truculentos como nos tempos da ditadura

Caminhando pelo centro da cidade dia desses flagramos uma cena bastante comum (afinal, não procurávamos nenhum escândalo), mas que não deixa de ser alarmante. Membros da Guarda Metropolitana de São Paulo coagiram dois jovens que namoravam no largo do Anhangabaú. O modo como os jovens foram abordados, revistados e coagidos foi tão violento quanto qualquer tipo de brutalidade que se faz em situações de barbárie.

A história é a seguinte. Eu e alguns outros colegas, professores universitários (todos clarinhos meio galegos, cútis branca) fumávamos charuto em frente ao Theatro Municipal de São Paulo, sentados nas muretas que separam a Rua Cel. Xavier de Toledo da Praça Ramos de Azevedo, bem pertinho do monumento à Carlos Gomes. Fomos até lá para relaxar e apreciar a paisagem social e arquitetônica do centro da cidade. Paramos, fumamos charuto, conversamos. Abaixo, namorando, numa pegada, mas de boa, um casal se beijava. Depois, quatro guardas da Guarda Civil Metropolitana de São Paulo abordaram o casal que namorava abaixo de nós e começaram um processo gratuito de agressões. Não bateram nos jovens, mas fizeram uma revista no casal, que teve direito a enquadrar o moço de frente pra uma mureta, revistas nas mochilas, anotar documentos, ou seja, trataram como suspeitos pessoas que em comum acordo namoravam no local. Por mais que eu possa imaginar, não entendo qual foi a motivação para tal movimento. Imediatamente, quando vio o que estava ocorrendo, comecei a filmar.

Seria especulação da minha parte dizer que haveria algum tipo de coação maior se eu não estivesse filmando, porque em dado momento, os guardas abaixo foram alertados por um guarda acima que eu estava filmando. Mesmo porque, o que eu filmei já é suficientemente agressivo para uma sindicância. Abuso de poder, excessos, revista ilegal, uso desnecessário de força etc. Tudo ali esta registrado. Certamente não havia nada no casal, que dois minutos depois de serem revistados, nitidamente constrangidos, foram embora com suas mochilas. Qual a suspeita sobre o casal? Possivelmente o namoro, beijos e abraços incomodaram.

O problema é justamente a falta de respeito. O abuso das supostas autoridades. Não havia ali nenhum, nem o menor sinal de risco, aqueles dois jovens apenas namoravam. Mas, aqueles senhores fardados, que não são nem policiais, não tem autoridade de revista, não tem poder de coação e muito menos treinamento para isso, foram além dos seus limites basicamente porque acham que esse é o trabalho deles.

Nossa sociedade não pode mais conviver com essa hierarquização entre cidadãos que merecem seus direitos civis respeitados e aqueles que não devem ter direitos civis porque são imediatamente suspeitos de delinquência. Nesse país, pobre, negro e mal vestido não tem os mesmos direitos que o branquinho dentado e bem vestido. Isso simplesmente é um absurdo. Os poderes ultrajantes usurpados por militares e por tabela herdados por policiais vindos da ditadura acabaram. Não podemos mais permitir que pessoas fardadas desrespeitem os cidadãos nos seus direitos. Falta àqueles senhores de uniforme informação de que não podem fazer aquilo, que devem respeitar e proteger os cidadãos e não é possível ainda se acharem no direito de invadir a privacidade alheia só porque tem um chapeuzinho invocado.

Sinceramente não há como não se indignar. E, digo que nem sou dos mais radicais que acham que a polícia deve abrir mão do uso da força. Sei muito bem que jovens que se arriscam a enfrentar bandidos e traficantes colocam suas vidas em risco. Mas, uma coisa é uma operação civil ou militar de enfrentamento, outra coisa muitíssimo diferente é usar o trabalho difícil da polícia ao enfrentar bandidos para justificar qualquer ato covarde ao abordar cidadãos. Pior, naquele caso nem estamos falando de policiais, estamos falando da Guarda Civil, funcionários municipais que tem como única função zelar pelo patrimônio público. Esses zeladores disfarçados de guardas não podem e não tem autoridade pra se comportarem como o FBI – isso porque no Brasil ainda nem temos ameaças da Al Qaeda.

PS: As imagens não foram alteradas, apenas o audio foi editado com a 9a Sinfonia de Bethowen, uma óde à liberdade!

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