

Foi essa minha aula sobre os sistemas políticos que se desenvolvia na ultima sexta feira na faculdade. Destaquei as particularidades do sistema político brasileiro em relação a alguns outros, mostrei como o sistema funcionava a partir das suas características e suas falhas. Desenvolvi depois comentários a respeito de como o executivo no Brasil é considerado mais importante que o legislativo e a capacidade do executivo inclusive de legislar, com emendas constitucionais, medidas provisórias, projetos de lei complementar etc. Enfim, mostrei como, para isso, é importante apoio no legislativo. É importante ressaltar que em outros lugares como nos EUA o executivo não tem tanta margem de manobra como no Brasil. Por exemplo, para negociar questões internacionais o executivo lá precisa do mecanismo de fast-track para negociação internacionais. Sem isso não nem pode sequer negociar ou assinar compromisso internacionais ou acordos sem que o congresso estabeleça limites pré-fixados – e praticamente nunca o Congresso dá facilidade de passagem ao executivo; o que torna o papel de um deputado ou senador bastante importante por lá. No Brasil, o governo pode fazer acordos na hora que bem entender, depois de feitos, fica difícil votar contra a ratificação, é inclusive uma forma de pressionar o Congresso.
Enfim, enquanto eu defendia que há em nosso sistema de governo esta particularidade ímpar onde o executivo sobrepõe-se ao legislativo, em contrapartida tem que barganhar cargos e favorecimentos para o apoio legislativo, já quase no final da aula, uma aluna chamou a atenção para um dado do texto. Em dois momentos a nomeação de figuras “técnicas” superou a nomeação de políticos para os ministérios. Foram nomeados no ano de 1994, governo Itamar Franco, 76% dos ministros não partidários (ditos técnicos) e entre março e dezembro de 2002, 63,2% ministros “técnicos” no governo FHC (Informações contidas em “O Poder Executivo, centro de gravidade do Sistema Político Brasileiro”, texto de Octávio Amorim Neto, contido no livro: SISTEMA POLITICO BRASILEIRO: uma introdução. Avelar, L. & Cintra, A. O. (orgs). O questionamento era exatamente esse: se é assim, porque nesses dois momentos o presidente nomeou técnicos? Nas entrelinhas havia um questionamento: será que não dá pra fazer sempre? Por que nesses momentos temos a preponderância de técnicos? Então, como ficaria o conluio governamental se ele existe?
Aí, respondi imediatamente o que é mais usual: são exceções. A nomeação dos ditos técnicos excepcionalmente supera a margem de 25% ou 30% da composição do governo. Além disso, os cargos mais específicos, como presidente do Banco Central, Ministro da Fazenda, ou outros ministérios mais “apagados” como Cultura, Esportes passam para os ditos “técnicos”. Mas, esses dois momentos em 20 anos são poucos: a regra é nomear ministros de outros partidos em troca de apoio legislativo, ou conseguir parceria com um governador para que ele pressione a bancada do seu estado para apoiar o governo. O que não impede de alguns momentos exceções acontecerem. Além disso, muito cuidado com essa história de “técnico”. Nem sempre (talvez quase nunca) o técnico por ser um ‘especialista’ na área vá ser um bom ministro. Porque os ministros são figuras políticas, que precisam de apoio técnico (evidentemente têm assessores das diversas áreas para isso), mas são atores políticos. Imagine um ministro “técnico” do Meio Ambiente: amanhã ele extingue o uso de sacolas plásticas nos supermercados. Pode até ser uma boa decisão técnica, mas vai encontrar uma rejeição e o protesto de boa parte do eleitorado, que exigiria uma posição mais ponderada, dado o impacto que a decisão ‘técnica’ teria na vida das pessoas. Ser político significa entre outras coisas ter uma noção de representatividade exigida pelo contato com os diversos estratos sociais que nós técnicos na maioria das vezes não temos. Portanto, em primeiro lugar é importante não subestimarmos o papel dos políticos; não é esse o problema.
Mas, no caminho de casa, eu pensava: a pergunta tinha muita pertinência. E, embora eu defendesse com razão o processo: eram momentos de exceção e não tinham força argumentativa para contrariar a dinâmica do sistema; algum fator (ou conjunto de fatores) proporcionou que esses momentos de exceção acontecessem. Eu me peguei pensando na viagem de volta: quais fatores seriam? No buzão – sim senhoras e senhores, vou trabalhar de ônibus, porque além de ser mais civilizado e mais rápida a locomoção de transporte público em São Paulo, ainda tenho o privilégio de revisar minhas aulas à caminho, posto que o chofer lá na frente que se preocupe com o trânsito. Pois bem, no buzão eu me perguntava qual era a interferência...
A resposta, embora camuflada pelos dados, era bastante óbvia: os dois momentos citados são períodos pré-eleitorais. Durante as eleições, como acontece esse ano, os ministros-candidatos têm que se decompatibilizar dos cargos para concorrer a novos cargos. Alem disso, a Câmara dos Deputados e Senado têm restrições para aprovação de lei. Ou seja, tudo para e toda a dinâmica que funciona para todos os outros anos, muda nesse ano. E, quando conferi as datas, tudo se encaixou perfeitamente. Portanto, tínhamos uma exceção que confirmava a regra. Além disso, é normal que os deputados mais expressivos, principalmente aqueles nomeados Ministros, agora vão buscar de vôos mais altos, tentando nos seus estados de origem ascender aos governos estaduais, com perspectiva de que os cargos de governador (ou mesmo o de prefeito de algumas cidades) é mais importante que o de deputado. A dança das cadeiras acontece assim no Brasil, muito diferente de muitos outros lugares onde o legislativo é poderoso – ser deputado ou senador é fundamental. Enfim, como disse outro aluno: não é difícil, só é complicado de entender. De fato, o sistema político brasileiro é cheio de meandros, detalhes e peculiaridades, e depois culpam o povo por não saber votar.
PS: 1) este é um ano eleitoral. Seria muito interessante que todos nos inteirássemos de como funciona o sistema de governo no Brasil para não votar estupidamente. PS: 2) Quando o assunto tem possibilidades para ser explorado e os alunos lêem o texto, dá uma boa conversa, até espaço pra postagem no blog cai bem...
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