domingo, 18 de outubro de 2009

Filosofia da unha lascada ou um professor em apuros

Aconteceu de verdade. Não é ficção. O professor entrou pela sala dos professores incrédulo. Sua cabeça balançava de um lado para o outro. O sorriso irônico passeava pela boca e os olhos ainda estava com aspecto de quem se surpreendeu há pouco e ainda não havia assimilado o golpe. Evidentemente não vou revelar a identidade, mas ao sentar-se ao meu lado, a pobre vítima deste trote do destino começou a explicar a situação. Antes ele chamou outros dois colegas e soltou a frase rapidamente: - Essa eu preciso contar pra vocês. Não vão acreditar no que me aconteceu agora...
Segundo ele, enquanto saia de uma sala e encontrava com os alunos da sala em que sua próprima aula aconteceria dali a dez minutos, uma aluna de saída, já carregando o material, o encontrou e disse que não ia poder assistir à próxima aula. Tudo bem, faz parte! Mas, não contente com o cometário a aluna se justificou. Olha professor o que aconteceu comigo – e apontou as mãos. Uma unha quebrou e sabe como é né professor! Eu vou sair hoje à noite e não posso ir assim. Preciso ir urgente para minha casa consertar antes de sair.
O professor estava incrédulo. Estranhava o que tinha acontecido. Aos poucos, depois de relatar os fatos, seu discurso ia do cético ao indignado. Uma ou outra piadinha surgiu no papo. Eu mesmo devo ter feito umas quatro. Eu havia deixado aquela sala há pouco e com a entrega das notas da prova e eles não se animavam muito com os resultados. Bom, pelo menos espero que este não seja o motivo de nenhuma unha quebrada.
Uma pena! Confesso: eu fiquei com muita inveja. Gostaria de ter vivido aquela situação. Queria saber qual seria a minha reação. Devia ser diferente da impressão do meu colega. Ele reagiu com descrédito. Eu não sei como reagiria.
Diferenças à parte, e com a benção da distância e da capacidade de racionalização que o tempo nos permite para pensar sobre o assunto, posso agora defender que a aluna tinha lá seus motivos. Sem dúvidas, a reação de um professor, quando uma aluna apresenta sua unha quebrada como prioridade em relação à sua aula de história, pode ir da paralizia à violência, verbal, pelo menos... mas, se as possibilidades são multiplas, nenhuma deve ser agradável.
Podemos dizer que este é um ato de futilidade? Provavelmente não. Só podemos defender que existem prioridades e prioridades. Mas, talvez seja exagero dizer que uma se coloca acima da outra em princípio. Claro que para um professor é absolutamente estranho que um aluno se interesse mais por uma unha que por uma disciplina. Mas, era sexta-feira à noite. E se tratava de uma jovem em pleno desfrute de sua busca por “felicidade”.... ou encrenca.
Não se trata exatamente de afirmar “... que atire a primeira pedra quem nunca teve uma unha quebrada”. Mas, é fato que todos temos nossas prioridades e nossos momentos de 'inversão' de valores. O que deve ser destaque aqui não é a ordem de fatores, mas o enorme foco que separa determinadas escolhas.
Optar por uma unha em relação a uma aula é uma escolha individual que em nossa sociedade conta com o endosso da liberdade. Porém, optar por uma unha e achar que isso não tem conseqüências para um curso que depende de um encadeamento planejado de conteúdos é um problema sério.
Não ligo para as opções dos meus alunos. Porque são opções individuais nas quais não tenho o menor poder de interferência. Mais: são decisões deles que eu não tenho sequer o direito de questionar. De outra parte, contudo: os alunos não podem reclamar das conseqüências das suas decisões. Querer cuidar da vida pessoal, do trabalho, da família, do namorado, da namorada, do cachorro ou da balada faz parte da multiplicidade de escolhas que nossa sociedade permite. Porém, a multiplicidade de opções traz o ônus de que as escolhas tem implicações e/ou consequências. E uma dessas consequências é que uma escolha se faz em detrimento de outras.
No caso da aluna, a unha e o conseqüente sucesso na balada que dependia de uma queratina bem lustrada, vinha à frente em ordem de importância em relação às aulas. Melhor se essa decisão foi pensada conscientemente. Aí, nada contra. Pior se ela considerar sua escolha de modo inconsequente. E não me entendam mal ao acharem que o professor vai prejudicá-la por preterir sua aula. Nem ele (muito menos) eu sabe sequer o nome da figura... mas, ao abandonar uma aula por um, outro ou qualquer motivo... conteúdos e sequências são desperdiçados e isso provavelmente reflete em desempenho.
Cada louco com sua história. Ou cada circo com seu picadeiro. Cada aluno com sua desculpa. Mas, sinceramente, quando eles reclamam das notas, me deixam impacientemente inquieto. Não se pode querer tudo. E todos os aspectos da vida social implicam em custos. Aprendizado, por exemplo, requer dedicação. Sucesso em qualquer coisa exige compromisso. Sucesso depende de compromisso. Assim como se o êxito na balada depende dos mais ilustres detalhes, o sucesso escolar deve depender de movimentos como estudo e dedicação. Não há segredo nisso, só deve estar claro que as opções são determinantes... e que ainda não inventaram uma vara de condão que dá ao professor o poder de gerar o conhecimento no âmago do aluno.

2 comentários:

Anônimo disse...

Desculpas sempre vão haver. Unha quebrada...blá blá blá.
O que acredito ser pertinente e acho que isto é o que deixa o professor mais enfurecido e não deveria é que: ele começa avaliar a si mesmo. Professor não é apenas aquele que repassa o conhecimento. É também aquele que desperta o interesse do aluno, mesmo quando a disciplina tende a ser chata e cansativa, como História, Filosofia, e outras disciplinas.
Acredito que você é um dos professores que consegue ter à atenção dos seus alunos, e não se importariam de ficar até as 22hs numa sexta-feira.
Até mesmo a unha quebrada poderia esperar.
Aluno não se escolhe.

Abraços,

Anne

Anônimo disse...

vc ta com algum problema pra gastar seu tempo escrevendo sobre isso desta forma?
Este tio de assunto merece resposta imediata que faça os interessados pensarem e ponto.