Pablo, meu fornecedor de jornal e gerente da banquinha de revistas na qual sou cliente está instruído a me alertar sobre as novidades a respeito do mundo editorial das bancas de jornal.
Um dia desses, ele me chamou pra oferecer mais uma de suas novidades. Saíra a edição de “Vinte Mil Léguas Submarinas”, Julio Verne. Uma edição bonita, com gravuras, capa dura e folhas amarelas (melhor pra ler que as brancas que provocam reflexo da luz), apenas R$ 19,90. Sempre que compro um livro costumo sentar-me em algum lugar, folhear a nova aquisição, ler as referências e, entre um gole de café e outro, iniciar a leitura das primeiras páginas. Às Vezes leio 20, às vezes 30, às vezes mais apenas nesta primeira sentada. Às vezes o livro não volta mais a ser lido, fica na fila de pretensões futuras, mas é uma estratégia para que nunca qualquer obra adquirida vá para a estante sem ser analisada ainda que introdutoriamente.
Mas, o que meus hábitos de leitura e de compra de obras clássicas a preços populares dizem respeito à globalização? Afinal, o título desta postagem é sobre os malefícios da globalização.
Me explico: na primeira frase do livro fiquei estarrecido. Que grotesco, em silencio praguejei, xinguei, revoltei-me. Erro crasso, banal e absurdo. Dizia a primeira expressão do livro: “O ano de 1886 foi assinalado por um acontecimento extraordinário, fenómeno inexplicável que ninguém por certo olvidou ainda.”. “Fenômeno” com acento agudo. E o mais grave! “OLVIDOU”. É a palavra em espanhol que em português significa ESQUECEU.
Parei imediatamente a leitura e fui consultar as referências da publicação. Quem foi o irresponsável que traduziu isso: o tradutor da rede Google? Ate o corretor do editor de texto faz melhor. Mas, não achei tradutor, não achei editor, nada. Só vi que o livro foi importado de Espanha, impresso em Santa Perpétua de Mogada (Barcelona), em 2003. Pronto: chegamos à globalização.
É preciso tomar muito cuidado com essas coisas. O cotidiano está cheio de sutis acontecimentos como este que delatam a presença de um mundo global à nossa volta. Os catalães imprimindo livros em português de edições francesas enquanto temos bons tradutores do original: para quê?
A resposta é relativamente simples. Nosso mercado editorial é bastante fechado, protegido e oligopolizado. Os livros no Brasil são caros e iniciativas de baratear importanto acabam sendo uma alternativa viável. É importante lembrar que o barateamento dos custos para a aquisição de mercadorias é importante aspecto e visto como um fator diferencial do processo de globalização. Ou seja: a globalização permitiu uma circulação de mercadorias como antes nunca foi visto. O acesso aos benefícios da produção capitalista, como aparelhos eletrônicos, carros, produtos domésticos, roupas etc saltam aos olhos na rua. Quem nunca usou uma malhazinha chinesa neste inverno?
Mas, esta possibilidade de acesso tem altos custos sociais que devemos considerar. Trabalho escravo ou precário/predatório em muitos países pobres, devastação e agressões ao meio ambiente (no Brasil também), perda de qualidade dos produtos feitos em série... etc etc etc etc. Ou seja: sendo grosseiro na análise, a globalização é uma forma das empresas internacionais poderem infiltrar-se nas nossas falhas internas de mercado.
* Foto: minha. Se achar que a vitrine merece uma análise, à vontade pra comentar.
Há muitos problemas na circulação das mercadorias em escala global. Ao passo em que devemos admitir que o acesso das camadas pobres e médias a produtos que antes eram escassos e/ou caro demais foi um avanço importante. Mas, esse avanço material não pode encobrir o debate mais importante, sobre as condições pelas quais a produção barata se dá. Neste aspecto a globalização nos coloca um desafio: quais instituições internacionais vão ter o poder de determinar, fiscalizar e punir aspectos da produção global?
The Corporation, de Mark Achbar – documentário sobre as empresas transnacionais – ou “The Big One” de Michael Moore, falam dos abusos de muitas das empresas globalizadas pelo mundo afora.
O fato é que enquanto a estrutura empresarial “sabe” usufruir das condições proporcionadas pela internacionalização, aproveitando-se de vantagens e brechas que muitas culturas pobres permitem em troca de alguma melhora (as empresas abusam das questões locais para aumentar seu lucro), os governos mundiais ainda não conseguiram arquitetar uma forma de criar regulação para esses abusos.
Um comentário:
A foto fala por si mesma. Qualquer análise acabaria ficando vulgar.
Maria Guadalupe.
PS: Grande blog, viu?
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