quarta-feira, 29 de abril de 2009

Antropologia da Sala de Espera

Tenho que confessar uma coisa ao leitor deste blog. Odeio sala de espera. Odeio! Tenho pavor! Chego a pensar que prefiro o cárcere à sala de espera. Evidentemente não posso estar seguro disso porque a cadeia não deixa de ser uma sala de espera – depende da abrangência do conceito. Mas, imagino que pelo menos na cadeia o papo é mais útil que em determinadas salas de espera que temos que encarar na vida cotidiana...
Talvez, encarcerado o papo pode rolar mais solto: “por que você está aqui?”; “Matei três, mas sou inocente, e você?”. “Ah, só roubei um banco?” ...
Agora, em algumas salas de espera, as mais normais, onde todos sabem o porquê do outro estar ali (é sempre é pelo mesmo motivo que o seu) fica uma coisa muito monótona. Se chegou depois de alguém, sabe que só vai sair dali depois dessas pessoas, se chegou antes, sempre tem a impressão que aquela pessoa quer que você vá logo embora pra agilizar a dela. E se todos vão entrar juntos pra uma dinâmica então... fica aquele clima... (alias, dinâmica é uma coisa estranha, mas deixa esse papo pra outro dia...)
Nas salas de espera rolam as conversas mais absurdas. “Como o tempo está hoje?” “Nossa, que calor!”; “É o aquecimento global”. Aquela conversinha mais manjada. Será que alguém já catalogou isso?
A verdade é que antropologicamente a sala de espera é um habitat sempre muito instrutivo. As formas de sociabilidade são múltiplas e variáveis. Entre as possibilidades de interação nas distintas salas de espera, três são clássicas: a sala de espera do médico, a sala de espera do cabeleireiro e a sala de espera da entrevista de emprego. Com certeza todo mundo passa, passará ou passou por alguma dessas.
Comecemos pelo básico: não é a troco de nada que a sala de espera do médico é papo privilegiado de hipocondríaco. Seria divertido se não fosse trágico. Claro que estamos falando de clinicas - até das clínicas conveniadas. Porque sala de espera de SUS é corredor. Mas, sentadinhos e comportados num salão com mesinha de centro e com algumas revistas espalhadas pelos cantos, os casos de doença relatados em qualquer sala de espera médica são os mais escabrosos. Quanto mais esquisito ou chocante, melhor. E a regra é que sempre aconteça com um parente próximo e que acabe em tragédia. Na sala de espera sempre tem alguém com algum parente que já teve a doença em pauta; em geral a história termina em óbito ou amputação. É só sentar pra esperar e logo alguém puxa o papo; respondeu!? Pronto: isca fisgada, agora segurar a bula e rezar pra ser chamado logo.
A outra espera clássica é a do salão de cabeleireiro. Ali sempre tem uma revista “Caras” pra que a gente possa dar uma sapeada nas roupas, nas casas ou nas corneadas dos famosos. Não pense que no quesito literatura haja grandes diferenças entre salões masculinhos e femininos. Independente da marca, as revistas dos salões seguem a regra de não ter reportagem com mais de dois parágrafos: é pra ver as fotos não para ler. Afinal, que história é essa de pensar no salão? Ali, cabeça é ornamento. A alternativa à revista “Caras” é conversar. Ou papo rola em torno ou da beleza, no caso dos salões femininos, ou do futebol, no caso dos papos de macho. Aí meu caro! Ladeira à baixo no teor da conversa. Entendeu por que não precisa de reportagem?
Agora, direto do reino da hipocrisia é a conversa na sala de espera pra entrevista de emprego. Todo mundo sabe que o número de vagas é menor que a quantidade de candidatos. Obvio: empregador sempre quer ter opção. Portanto, além do cara que está na sua frente é o candidato à vaga que você quer ocupar e se ele chegou antes, significa que você vai sair de lá depois dele. Partindo do princípio básico de que a felicidade alheia é sua decepção, o papo da sala de espera para uma entrevista de emprego é a coisa mais estranha do universo. Ninguém se compromete muito, mas tem sempre um curioso pra saber sobre a qualificação dos outros. Ai o papo é aquela beleza: cheio de rodeios, e sondagens da mais discreta à mais descabida. Nesse vale sempre o velho conselho, se a coisa apertar, fale do tempo.
Enfim, mesmo que seja uma experiência antropológica digna de registro, pela sua ironia, conversas na sala de espera não são as mais proveitosas que uma pessoa pode ter. Ainda estou convicto de que o papo de cadeia possa ser mais instrutivo. Tudo bem, tudo bem: concordo que é melhor esperar para uma consulta médica, para um corte de cabelo e hidratação ou para uma entrevista de emprego que para um julgamento ou pela liberdade. Mas, se o assunto é sala de espera, pensa que no finall é melhor ir logo pro inferno. Imagine: depois de tudo isso ainda ter que encarar o purgatório!?

Nenhum comentário: