Sempre, enquanto morei próximo à Unicamp, fui aos concertos de domingo na Casa do Lago. O clima descontraído do domingo pela manhã, as pessoas à vontade e a boa música clássica pra ouvir era um excelente programa para começar a semana. Outra coisa que me divertia era os comentários do maestro. Os concertos eram comentados, datando a obra que ia ser executada, seu contexto e sua importância no mundo da música.Numa dessas apresentações o maestro comentou que iria executar uma típica peça de “banda” clássica. Isso significava que era uma composição mais compacta que uma orquestra e que seria executada uma música, não uma sinfonia. Aí, tínhamos: 6 violinos, 2 contra-baixos, 3 sopros de metal, 1 piano e 1 percussão. Essa composição pode evidentemente variar. Era importante para executar o repertório escolhido, mas podemos ter variações dependendo da escolha musical da banda.
O que me deixou com a pulga atrás da orelha foi que o maestro explicava que para alcançar o volume do metal, precisávamos de varias cordas. Ou seja, para um ou dois instrumentos de metal (dependendo de qual – fagote, oboé ou clarinete), a proporção era de três ou seis cordas do violino, mais os contrabaixos.
Agora, acompanhe o raciocínio. Aquilo era uma banda musical que fazia seus shows até os finais do século XIX. Será que eles tinham uma bandinha da moda na época de Beethoven? Tipo os Beatles do século XVI? Então: o que distingue a música clássica do Rock and Roll? Para começo de conversa o rock pode ter apenas quatro componentes. E não 12 ou 13 músicos. Mas o que proporciona essa economia de gente? Oras bolas: um invento da física que é fundamental: a caixa acústica, o amplificador de som. Como fazer com que uma corda se torne tão alta como o metal? Fazendo amplificação de som. O rock depende do desenvolvimento técnico e científico. O que seria da distorção da guitarra sem a caixa de som? O que seria da desarmonia que muitas vezes é um estilo de música sem os amplificadores?
Não é possível que um violino destoe de outro numa banda clássica. Além disso, a música tem certas características que fazem parte da possibilidade oferecida pelos instrumentos e pela organização acústica do estilo. Os novos estilos de som, oriundos do desenvolvimento técnico da acústica podem variar, inovar, modificar a proposta musical.
Max Weber, um dos mais importantes sociólogos do século XX, tem um termo interessante para definir certos fatos sociais que nos permite separar fases de desenvolvimento. Weber discute as “possibilidades objetivas” dos fatos sociais. Qual a possibilidade objetiva de surgir o rock and rolll no século XIX? Nenhuma. Para que surja o rock, é preciso que a acústica faça a caixa de som. É preciso distorção, guitarra, inovação tecnológica. As possibilidades objetivas avaliam as condições materiais para que certos fatos se realizem. Sem certos pré-requisitos (que são condições materiais, sociais etc) não é possível que fatos sejam realidades. Pensar sobre isso nos ajuda a definir certas características e a importância de certos acontecimentos.
Imagine que tipo de inovação social estamos diante, quando mexendo num botão, aumentamos a propagação do som de nossa voz. Ou mexendo em outro podemos mudar certas fonéticas. Quantas possibilidades sonoras esse invento nos abre? É uma inovação que extrapola a simples esfera da música. Muitos templos dos séculos passados foram arquitetonicamente pensados para propagar o som internamente, ter uma boa acústica e ao mesmo tempo, não deixar o som “vazar”. Hoje em dia, qualquer prédio quadradinho equipado com caixas de som pode fazer um palestrante falar no palco e ser ouvido no fundo da sala e nem necessita ter uma boa dicção para isso.
Falo de apenas um exemplo da inovação que o mundo moderno proporcionou. O estilo musical foi atingido, o perfil dos músicos, as formas de propagar o som, o modo de compor, a interação entre os artistas, as formas de preparar o show... e muitas outras questões podem ser abordadas. É sabido que os anos transviados do Rock and Roll mudaram o mundo. Woodstock, The Doors etc. Se o rock revolucionou o comportamento dos jovens, ele só foi possível pelos avanços no campo da física.
Não há dúvidas que os inventos do mundo moderno mexem com nossa sociabilidade, interferem no nosso estilo de vida e merecem a nossa atenção. Discutir como os inventos interferem nas possibilidades objetivas de nossa espécie é uma questão importante para saber que tipo de mundo estamos ajudando a construir...
(orquestra de músicos da Unicamp)
Nenhum comentário:
Postar um comentário