terça-feira, 31 de março de 2009

Revolução digital uma ova, ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais.

CENA 1: fui ajudar um amigo a atualizar o sistema antivírus e enquanto esperávamos as especificações do sistema ele colocou para tocar um CD que ganhou de presente. Ouvi, gostei, saquei do computador dele e coloquei no meu notebook para fazer uma cópia. Antes mesmo de aplicar as novas atualizações no computador do meu amigo eu já tinha guardado nos meus arquivos aquelas músicas. Ao chegar à minha casa, as converti para MP3, e no tocador gosto de ouvi-las enquanto faço caminhadas ou exercícios. Outro amigo ouviu as músicas e me pediu uma cópia. Imediatamente ele saia com um CD para ouvir. Ali ninguém cometeu crime de pirataria, não havia motivos comerciais para a reprodução. Não colocamos os conteúdos na internet ou tiramos proveito financeiro do fato. Apenas socializamos nosso gosto musical, compartilhando as músicas, como no passado emprestávamos nos long-plays. Utilizamo-nos de programas licenciados e/ou softwares livres. Tudo disponível para qualquer pessoa que entenda um mínimo de informática e tenha os equipamentos adequados. Não há nenhuma violação em nossa conduta, nem deve haver. Tudo que fizemos faz parte de uma socialização diferente da que encontramos nos camelos e produtores piratas. Mas as novas tecnologias apresentam desafios à industria fonográfica, que não tem como elevar à categoria de marginais as pessoas que socializam seu gosto musical.
CENA 2: Estava eu em um seminário sobre educação à distancia. Muita besteira, muito preconceito e um sem tamanho número de desinformação por parte dos pedagogos que organizaram àquela várzea. Lá pelas tantas um professor (pasmem) professor, doutor de universidade pública renomada, cheio de pompas e títulos, solta o seguinte comentário: “entrei nessa história de educação à distancia e me informaram que tinha que ter o gestor da página, o moderador, o num sei o que mais e até um web designer”. Não reproduzo exatamente suas palavras, mas destaco o desdém com que tratou os profissionais do mundo digital, em especial o pobre web designer, como se fosse um demo excomungado. Não me admira que as pessoas não entendam de informática, nem de educação à distância e que no Brasil confundam as duas coisas. Mas, até ai, ninguém questiona o papel de um arquiteto na construção de uma escola. Ninguém questiona a presença do bedel no controle da disciplina. Mas, quando se trata de páginas virtuais e estrutura de sítios da internet, o preconceito com as figuras que trabalham na estrutura dos provedores deixa as máscaras caírem. Na verdade o professor estava assustadíssimo com a perda relativa de importância do professor no processo de ensino-aprendizagem que se faz via internet. Professor é mais que conteudista, é educador. Mas, muitos pilantras impõem poder e disciplina com base no monopólio da informação e do conteúdo. Com a internet, conteúdos duvidosos podem ser facilmente questionados, mas educação não pode ser transmitida via webmail. De qualquer modo, como diz minha mãe, também não vem da escola em que se estudo, começa e termina em sua própria casa.
CENA 3: Outro amigo passou férias de verão no litoral. Conheceu uma garota num bar. Jogaram sinuca, conversaram, tomaram cerveja, trocaram beijos e carícias. No fim da noite, pouco antes da despedida ela soltou: “Você tem Orkut?”. Nem sei se ela sabia o nome da figura. Meu amigo não é adepto dessas novas tecnologias, como também é do tempo em que amor de praia não sobe a serra. (interessante como minha geração, que na adolescência viu crescer a internet e o celular, é diferente desta nova geração que já nasceu adepta das novas tecnologias – alguns de nós nos adaptamos rápido outros nem tanto, mas todos sofremos alguns impactos). Enfim, caso tivesse Orkut, um adicionava o outro, trocariam mensagens, manteriam contato, quem sabe marcariam outros encontros e por ai vai – independente das distancias geográficas eles poderiam manter-se minimamente informados um sobre o outro – a custo baixo; apenas a conexão de internet. Além disso, as mensagens de celular, as comunidades virtuais, tudo isso tem alterado a forma de paquera e de flerte.
CENA 4: fui com um outro amigo no cartório (haja amigo pra eu poder contar história – mas garanto que é tudo verdade). Este precisava do reconhecimento da firma do seu diploma para enviar o comprovante de sua formação para um concurso que passou. Em 10 minutos seu diploma estava reconhecido. O problema é que o diploma da Unicamp é um pedaço de papel mau e porcamente ornamentado com quatro ou cinco assinaturas que o cartório não tem a menor idéia se pode ser verdadeiro ou falso. Eu, com algum material comprado em qualquer papelaria de esquina e algum equipamento doméstico, consigo falsificar aquilo. Como é que o cartório atestava a validade do documento? Pegou o suposto original, fez cópia e atestou que aquela cópia vem do que supostamente seria original, mas que não faz a menor idéia se é ou não. O que faz com que um diploma seja original é autenticidade do número de registro. O cartório não deu a menor importância àquilo. Entrei no sitio da universidade, na diretoria acadêmica e lá tem um atalho para atestar a idoneidade do diploma averiguando isso através do número do registro. Ora bolas: por que então fazer toda essa frescura de cartório, reconhecer firma, fotocópias etc; pede logo o número do registro e confira. Burocracia, burocracia cartorária, total falta de racionalidade em tempos de transparência gerada pelos sistemas informatizados.

Eu poderia continuar a contar outras histórias em que a informática aparece como detonador de novas relações. Uma das situações em que as pessoas se colocam é como vítima do processo. “A internet está acabando com o olho no olho”; “Estamos vivendo num mundo virtual”; “Já não se fazem mais amigos como antigamente”; “Tudo é deletável”; - pois é, até novos verbos surgiram. Daqui a pouco um diz: “ninguém sabe mais escrever”. Outro dia falei com minha sobrinha na internet e ela me perguntou: “9dade???”. Decifre!! Ela queria saber se eu tinha alguma novidade! Tudo isso tem um por quê. Tudo faz parte sim de transformações sociais, mas isso não quer dizer que vá corromper velhas estruturas.
E todas as máximas do bom senso ainda valem, com ou sem o mundo digital:
1) Sempre somos resultado das nossas relações sociais, contribuímos e aprendemos com nossos pares, trocamos experiências.
2) Educação ainda se aprende em casa, se faz com discurso, se transmite com o exemplo. A boa e a ruim...
3) Paquerar pode até acontecer na internet, mas nenhum site substitui a sensação de estar com alguém querido.
4) Se o futuro acabasse com o passado estaríamos salvos da burocracia cartorária; nem tudo seria lamentável com a implementação do universo virtual; menos papeis, mais árvores. Em compensação, mais senhas, números e chaves virtuais.

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