Este blogueiro tem se tornado um megafracasso no seu projeto de incorporar entrevistas ao “Espaço Público e Cotidiano”. Não por falta de pensar como, onde e quando; ou de tentar viabilizar o projeto. Não que eu considero isso um problema intransponível, mas talvez seja uma bela barreira a se superar. Se no começo as coisas saírem meio tortas, sem jeito, isso eu já espero, mas confesso que não esperava ter tantas dificuldades que vão além das técnicas: quem entrevistar, onde ir. Sabia que as entrevistas sairiam mais custosas do ponto de vista econômico, logístico e de tempo (coisas que não são triviais num blog amador). É preciso fazer o contato, ir ao local, conhecer, investigar e tornar a entrevista interessante. E principalmente este último ponto tem me deixado cada vez mais intrigado. Como tornar uma entrevista interessante ao leitor? Sem que isso interfira na idoneidade do texto...
Pensando em tudo isso percebi que tenho que desenvolver minha própria técnica de entrevista – que certamente não vai seguir o padrão usual “pergunta/resposta” que os jornais e revistas adotam. Ainda preciso testar meus métodos, buscar inspiração e fontes. Mas, seguramente, quem acompanha este blog vai perceber que diferentes tentativas de entrevista acontecerão e talvez haja uma evolução, e quem sabe finalmente se constitua um padrão próprio para minhas entrevistas. Se isso acontecer, e espero que aconteça, será resultado de uma série de reflexões, testes e adaptações que já venho tentando há um tempo construir.
De momento o que posso fazer é pedir paciência. E adiantar que sempre bons frutos vou recolher deste projeto. Enfim, e todo este blábláblá para justificar a minha mais recente tentativa de viabilizar uma entrevista: encarei uma conversa com o arquiteto responsável pela restauração da Catedral de Campinas “Nossa Senhora da Consolação”: RICARDO LEITE.
Ricardo Leite foi-me indicado pela historiadora da arte Paula Vermeesch, amiga de longa data que vira e mexe me dá boas dicas para o blog. Essa realmente ela acertou em cheio. Fomos almoçar os três, e pra mim, desde minha partida da Unicamp, via transporte público de Campinas, até meu retorno, tudo é digno de comentário. Fato que me faz policiar a capacidade de dispersão...
Ricardo Leite é dessas figuras que raciocínio rápido e cheio de idéias. É de se duvidar que um único assunto passe em branco por parte dele, fala de muitas coisas, vários assuntos, com boa propriedade no que julgar digno de comentários. Bom de papo, deixei os assuntos fugirem. Não podia havia um script, havia possibilidades. Eu sabia que ia conversar com uma figura singular, em que o assunto seria a Catedral, mas não necessariamente.
O importante de se discutir não é exatamente um trabalho ou uma coisa; neste blog discutimos cotidiano. E a mim interessava muito mais o cotidiano de um arquiteto que trabalha com restaurado que propriamente o trabalho específico de restauro da Catedral de Campinas; que foi construída com barro e madeira e os campineiros demoraram 60 anos pra fazer... piriri, pororó... todo aquele draminha pra construir uma estorinha meio Hollywood, meio novela-das-oito pode ser lida em qualquer lugar. Mas no “Espaço público e cotidiano” quer discutir as pessoas em seus espaços e no dia-a-dia. Foi aí que encontrei esta pérola: a riqueza do arquiteto na Catedral é tão grande que que o assunto não se esgota em uma única postagem. Vou ampliar o espaço para discutir este assunto e fazê-lo em vários momentos sob vários pontos vista. Que pode render alguns meses entre falar da Catedral de Campinas e outros assuntos mais momentâneos.
Além disso, fiquei de explorar outros encontros com Ricardo Leite – importuná-lo no seu ambiente de trabalho e trazer ao leitor deste blog um universo paralelo que gira em torno dos grandes monumentos.
A entrevista, confesso, foi um megafracasso. Quer dizer, Ricardo Leite falou de tudo um pouco. Demonstrou conhecimento, ajudou, esclareceu, respondeu, foi além. Mas, como disponibilizar toda a riqueza de informações dispostas com tanta intensidade ao leitor? Não posso padronizar isso em um artigo quadradinho que destrói tudo que foi me foi exposto. Por isso, decidi ir com calma e aos poucos os assuntos vão surgir com mais requinte clareza para que possam ser aproveitados e úties.
De qualquer modo, algumas pérolas posso adiantar do meu papo com Ricardo na tarde de quinta-feira, 19 de março. Você sabia que as pombas (essas aves nojentas que ficam no chão da praça da Catedral) não chega na torre do relógio da igreja!? Sabe por quê? Por que ali é rota de vôo de gavião. Eu sequer sabia que as pombas voam a uma altura e os gaviões a outra. Dúvida? Enquanto conversávamos na torre tinha uma cabeça de pomba caída no chão. A única parte do corpo do bichinho que provavelmente teve o resto todo comido pelo seu predador. Gato não era. Também não tem gatos circulando por ali, eles não conseguem escalar a Catedral. Parece que há uma organização melhor no mundo das aves que entre os controladores de vôo brasileiros.
Se ainda estão duvidando, perguntem ao Ricardo... Falei com uma pessoa extremamente atenta aos detalhes. Que observa, interessa-se, lê e descobre seu cotidiano. Um profissional detalhista, que não deixa de prestar atenção nos tipos que circulam no seu entorno. Ricardo me mostrou uma mulher de preto, que estava sentada na escadaria da Catedral, com o olhar fundo ao horizonte, com algumas sacolas de lojas. Esta mulher estava ali faz alguns dias, segundo ele. Chega sedo e fica ali, parada, com a mesma roupa, com uma caixa de pizza ou esfirra do lado e as mesmas sacolas. Ricardo arrisca dizer que ela está com algum problema sério. Entre um restauro e outro ele percebe que o entorno da Catedral é algo cheio de idiosincrazias. Os mendigos, os pedintes, os espertos, os malandros. Tudo corre ali. Um movimento diário de 100 mil pessoas. Só a Catedral recebe cerca de 3 mil pessoas por dias, com suas portas abertas das oito da manhã às oito da noite.
Muita gente, muita circulação, muitos problemas. Tem que ser uma construção realmente forte para suportar tanta intensidade de pessoas. E antes da chegada de Ricardo Leite ao projeto de restauro, a construção dava sinais de que não suportaria o efeito do tempo. Um cupim por aqui, problemas por ali, infiltrações, depredações, desgaste. Segundo o que me contaram, o misto de zelador, sacristão, voluntário, faz-tudo, seu Jorge chama a Catedral de ferro-velho. Um ferro velho de aproximadamente 150 anos que expressa em cada canto mais remoto de sua estrutura muita cultura, historia e religiosidade.
Tudo isso, ao longo dos próximos meses quero explorar em detalhes. Mas, deixo aqui o recado sobre uma das coisas que quero reforçar daquela primeira visita à Catedral: destaque ao olhar do arquiteto/restaurador. Na subida à torre tinha uma série de tijolos, telhas, cimentos empilhados e relativamente organizados. Ricardo Leite me explicou que aquilo ele retirou do forro, quando fizeram o projeto de restauro que consumiu praticamente quatro anos do seu trabalho. Bem, aquilo que pra mim era um monte de entulho, foi apresentado como a memória da construção. Ele pegou um pedaço de telha quebrado e disse que este telhado (que hoje é de telha francesa) já foi coberto com este tipo de telha. Ou seja, o que para uma pessoa comum, ou mesmo um pedreiro, mestre-de-obras, engenheiro (profissionais da construção civil em geral), tudo aquilo era entulho. Pra um restaurador é documento. Saber do que e como foi feito o projeto permite ao restaurador, arrumar, revitalizar, ou mesmo decidir mudar. Como saber sobre uma construção que começou a mais de 200 anos? Com fotos (as que conseguimos) relatos, e restos... Cada detalhe tem um porque, cada momento tem uma história e cada história tem seu sentido. Não é mero acaso que a Catedral de Campinas esteja hoje deslumbrante por dentro – entre os vários responsáveis por essa bela obra sacra estar em tais condições é sem dúvidas o meu entrevistado deste mês: Ricardo Leite.
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