quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Neo-estruturalismo: a CEPAL revisita o desenvolvimento e encontra a desigualdade.


Meu campo de estudo científico... é sobre as estratégias e ideologias do desenvolvimento. Nome pomposo. Mas, o que significa isso? Estudo as propostas que os governos recebem para nortear suas estratégias e implantações de políticas públicas. Ou seja, estudo os neoliberais, por exemplo: eles dizem que o governo deve cortar gastos e ter menos presença na regulação econômica. Esse ponto de vista, que é acompanhado por pessoas em governos, faz com que muita gente direcione políticas públicas neste sentido. Também estudo os desenvolvimentistas: corrente de pensamento distinta da neoliberal que prega um Estado mais atuante na economia e políticas públicas ativas em prol da modernização da sociedade. Toda essa discussão tem raizes históricas, muitas nuanças e idiossincrasias. Em alguns momentos, lendo essas coisas, acho que todo mundo perdeu o bom senso... estranhamente isso ocorre geralmente nos momentos de euforia - e não nos de crise. Mas, o fato é que tento sempre procurar a relação entre o que as pessoas pensam e o modo como elas agem. Em geral, nos estudos sobre desenvolvimento isso pode ser visto com certo grau confiável de aproximação - mesmo supondo que governos são complexos, instituições são históricas e descontínuas, idéias e fatos são na média das vezes conflitivos. Este é meu campo de estudos digamos assim... geralmente trabalho com coisas paralelas, participo de vários outros projetos, mas muita coisa do que faço e que ocupa meu dia tem a ver com isso.

Outra coisa, é o meu estudo de doutorado. Um pouco mais focado que meu campo de estudos, digamos assim. Em minha tese trabalho com as teorias neo-estruturalistas. Já vem desde o mestrado uma pesquisa sobre desenvolvimento na concepção das escolas de economia política oriundas da América Latina, especificamente os Cepalinos. Agora me pergunto, num espectro um pouco mais amplo: qual o efeito do neoliberalismo sobre as teorias desenvolvimentistas sobre modernização? Para os não iniciados no assunto, todo esse blá-blá-blá quer dizer o seguinte: qual a resposta que muitos economistas da América Latina deram ao insucesso das políticas de industrialização até os anos oitenta e o que dizem como fundamental para a redenção ao pensamento neoliberal nos anos noventa? Ou seja: apresentaram ou não uma alternativa ao neoliberalismo? Se houve realmente pensamento único, pode ser que sequer os cepalinos apresentaram alternativa às políticas neoliberais implementadas na América Latina dos anos noventa? Mas, se sim, se apresentaram outras alternativas aos neoliberais, qual era e em que medida era viável enquanto política de Estado???

Uma terceira coisa é a minha participação na CONFERENCIA INTERNACIONAL CONJUNTA ABRI-ISA (ABRI - Associação Brasileira de Relações Internacionais - ISA - International Studie s Association) no Rio de Janeiro entre 22 e 24 de julho próximo. Onde haverá uma mesa cujo título será o seguinte: Economia política internacional: novo milênio e as novas formas do desenvolvimento desigual e combinado - sobre a coordenação do Professor Dr. Reginaldo Moraes.

Segue abaixo o resumo apresentado e que provavelmente constará no programa em breve:

Neo-estruturalismo: a CEPAL revisita o desenvolvimento e encontra a desigualdade.

por Luis Fernando Vitagliano

Depois de assumirem a tese na qual argumentam que os anos oitenta constituíram-se na “década perdida” para a América Latina os economistas da CEPAL conseqüentemente decretaram o esgotamento do projeto de industrialização por substituição de importações como estratégia de desenvolvimento. Em 1989, F. Fajnzylber lança sua interpretação sobre os fatos, em: “Industrializacion en América Latina: de la ‘caja negra’ al ‘casillero vacio’” (Cuadernos de la CEPAL, no 60) e dá novo fôlego ao projeto estruturalista. Segundo sua tese, não encontramos nenhum país latino-americano que tenha conseguido êxito em associar crescimento econômico com eqüidade social. Ao apresentar este diagnóstico, o trabalho de Fajnzylber nos aponta para uma hipótese: não pode haver desenvolvimento sem eqüidade; ou seja: crescimento econômico não é suficiente ao desenvolvimento.

A pergunta básica passa que passa a nortear os trabalhos da CEPAL é: como incorporar a eqüidade no processo de desenvolvimento? Ou, em outros termos: como associar crescimento com eqüidade? Sob este novo eixo, seguiu e seguem várias tentativas de lançar novas estratégias para serem usadas pelos governos. Todavia, é importante recordar que uma das principais características do antigo projeto estruturalista de desenvolvimento era a capacidade de apresentar uma receita homogênea para as econômicas da região. Isso, porém, não se sustentou depois das teses a respeito da “heterogeneidade estrutural” dos países da América Latina. Assim, as estratégias tornaram-se multifacetárias e o que surgiu na CEPAL foi uma interpretação mais fluida do conceito de desenvolvimento.

Vamos explorar então o que surgimento dos temas agregados ao estruturalismo cepalino para constituírem-se em novas estratégias de desenvolvimento para a América Latina. Este posicionamento teórico da CEPAL se submete a um contexto de abertura internacional globalizada onde as transformações mundiais são fundamentais.

Portanto, aos novos temas e desafios ao desenvolvimentismo que vamos explorar detalhadamente na apresentação aqui se considerou chamá-los de neo-estruturalismo.

Esse post necessita de um pequeno glossário (o leitor não é obrigado a conhecer todos os termos técnicos, nem toda a chatice envolvida nisso):

CEPAL: Comissão Econômica para América Latina e Caribe. Criada pela ONU em 1948, acessora as decisões dos países da América Latina e Caribe para assunto de economia política. Site: www.cepal.org. A CEPAL é uma das instituições que mais informações consegue produzir sobre a América Latina, suas análises fazem parte da agente da trabalho de muitos governos. Ex-ministros formam e formaram parte do seu quadro de pesquisadores. Assessores de governo também torcaram a CEPAL ou pela CEPAL cargos importantes em governo. Essa relação muito proxima com a burocracia governamental e também a relação que a Comissão estabelece com os centros de estudo e pesquisa acadêmicos como as universidades, dão à CEPAL massa crítica para manter sempre ativa seu papel de mediação entre a teoria e a prática das políticas públicas.

Desenvolvimentismo: nos anos cinquenta do século XX, logo depois da II Guerra Mundial, surgiram várias teorias a respeito da modernização do terceiro mundo. As pessoas que se dedicavam a esse tema ficaram conhecidas como os Teóricos da Modernização. Vários grupos e sub-grupos formaram-se para discutir o tema. E, entre os que se destacavam, havia um grupo de economistas latino-americanos liderados pelo argentino Raúl Prebisch. Estes, conhecidos como economistas desenvolvimentistas, defendiam que a pré-condição para que a América Latina se modernizasse era industrialização. Surgiu o projeto de industrialização como substituição de importações: para acabar com o milenar comércio de quinquilharias entre metrópole e colônia, os países da América Latina podiam preparar sua economia para substituir a importação pela produção própria. Detalhe besta: a Gurgel é dessa época. Fim do detalhe besta. Assim, surgiu todo uma corrente teórica que discutia essa possibilidade e muitos governos que praticaram o que foi defendido por vários dos economistas que beberam desta fonte.

Estruturalismo: corrente teórica nascida no bojo da CEPAL. Defendia que os principais problemas da América Latina eram estruturais e isso tinha como conseqüência também defender que as políticas públicas devessem ter um caráter de mudança estrutural. Celso Furtado, o maior representante brasileiro dessa corrente demonstra nos seus livros análise histórico-estruturais dos problemas brasileiros.

Neoliberalismo: corrente de pensamento que defende a desregulação do mercado, a não intervenção do Estado na economia e a livre circulação de serviços e finanças. Foi a prática mais corrente desde os anos oitenta, originária da ascensão de políticas liberalizantes, desregulação financeira, ajuste fiscal e privatizações quando Margareth Thatcher assumiu o governo da Inglaterra e Ronald Reagan assumiu o governo dos Estados Unidos. Desde então tornou-se a mais popular corrente de pensamento posta à serviço dos governos mundo afora. Acabou desembocando na atual crise imobiliária norte-americana, fato que a fez menos popular que antes. Bem menos popular eu diria.

Neo-estruturalismo: atual corrente de pensamento defendida por alguns desenvolvimentistas. Uma tentativa de ressuscitar a capacidade de apresentar iniciativas práticas através das teorias desenvolvimentistas. Agora adequa o desenvolvimentismo às práticas democráticas e ao contexto de liberalização, ao novo sistema financeiro e a heterogeneidade estrutural da América Latina. Ou seja, enquanto o estruturalismo tinha uma proposta única de desenvolvimento via industrialização por substituição de importações (ISI), agora há muita dificuldade de propor um eixo comum aos países da América Latina, dada a grande diferença política, social e econômica que se estabeleceu entre eles.

PS: no próximo posto coloco meu mestrado, como promessa de esclarecer um pouco melhor esta história chata. E até julho, explico com mais detalhes o que este pobre navegante vai fazer no Rio de Janeiro em pleno inverno.

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