domingo, 9 de novembro de 2014

Nem golpe, nem chantagem: a redenção dos derrotados

Por Luís Fernando Vitagliano

Muita gente aparenta estar preocupada, assustada ou, pelo menos, incomodada com as manifestações de ódio e até com as especulações e pedidos de impedimento da presidenta. Mas, o blefe não pode ser visto assim, porque o resultado improvável dos golpistas é menos importante que seus efeitos indiretos para a determinação do novo governo: trata-se de uma estratégia orquestrada para minimizar o impacto da vitória do PT e provoca a esperada acomodação conservadora que sempre se instaura com a derrota das elites.

Não, não há condições e não haverá terceiro turno. As eleições acabaram e o que está em jogo neste momento é qual será a direção do novo governo.

Não existe possibilidade objetiva para nenhum golpe. Em primeiro lugar porque não há apoio internacional e isso é pré-condição fundamental para qualquer ação antigoverno. Embora pareça jargão, é fato: se não há apoio dos EUA, não há condições materiais nenhuma para o golpe.

E por que não há apoio dos EUA?

Em primeiro lugar, o próprio presidente Barack Obama obrigou-se a rapidamente dizer em público que reconhecia a democracia brasileira, parabenizou a presidenta reeleita e reconheceu o resultado das urnas. Ou seja, dizia aos seus (aos investidores que tem dinheiro no Brasil) que qualquer aventura não contara com o arsenal ou o endosso do governo dos Estados Unidos. Depois de atuarem fortemente nas eleições, apoiando no submundo da informação e do mercado e favorecendo um ou dois candidatos da direita, reconheceu a derrota e agora vai tomar sua clássica medida pragmática de minimizar possíveis perdas.

Fora o reconhecimento do atual governo, não há alternativa aos EUA. Apoiaria um impedimento da presidenta no Brasil ou um golpe civil militar se houvesse condições de vencer. Mas, qualquer indicação de que o governo Obama não iria reconhecer os resultados eleitorais do Brasil, China, Índia e Rússia fatalmente não vão se calar. O BRIC não silenciaria, diante dessa ação imperialista. Reunidos no Brasil em agosto deste ano duas medidas foram inéditas e fundamentais para a garantia de novas parcerias estratégicas que ressaltaram a soberania brasileira e sua independência: acordos de desenvolvimento de tecnologia próprios em segurança e defesa e o Banco dos BRICs com a maior carta de crédito do mundo. Foi sem dúvidas a maior vitória da política externa do governo Dilma em termos de resultados.

E não se trata de oposição aos EUA. Mas, de equilíbrio de poder.

Os EUA não vão bater de frente em uma aventura contra o Brasil. Sua avaliação agora é que se tencionar a relação podem ficar fora do jogo e perder a mais importante parceria estratégica do hemisfério americano. Já avaliaram e sentenciaram que não existe essa condição de reverter o quadro e o próprio Obama já tratou mudar a estratégia, do confronto à fraternidade.

Somado a esse fato, respiraram aliviados Mujica, Kirschner, Bachellet, Morales, Santos, Corrêa e Maduro pelo menos. Não se trata de bolivarianismo como branda a direita torpe. Mas houve sim o autonomismo tomando conta da região depois da onda neoliberal dos anos 1990 que reivindicava a retomada do desenvolvimento tirado da América do Sul pelo Consenso de Washington. Por isso tantos bastidores americanalhados nestas eleições.

Com as atitudes ligadas ao desenvolvimento nacional e autônomo por parte do governo, os militares no Brasil se deram por satisfeitos. Mesmo que incomodados com as comissões da verdade, sabem que o apoio dos EUA custa sempre muito caro e as parcerias com Russia, China, India, União Europeia e Mercosul são estratégicas ao Brasil. Se tem uma coisa que os militares concordam com o PT é em termos de segurança, defesa e política externa.

Ambas as forças debandadas isolou-se em seu palavrório as elites brasileiras.

Os investidores nacionais que perderam dinheiro com a derrota da oposição agora tentarem convencer os investidores estrangeiros a retirar seu dinheiro do país, mas próprio Banco Mundial hoje deu sinais de que não vai entrar na onda conspiratória e reforçou sua posição de que o Brasil é um bom lugar para investimentos. Entre sangrar a economia brasileira para compensar a derrota nas urnas e a urgência de ocupar posições antes que China e Rússia o façam, a elite internacional já se decidiu.

De qualquer modo, a estratégia do choque e do terror é o ultimo suspiro dos derrotados. Se não der certo, pode dar algum resultado. A ação se sustenta na teoria do choque: para vencer o inimigo e mudar a tendência da história, nada melhor que começar a disputa com um choque. O choque neutraliza, imobiliza, trava e enquanto isso você tem momentos preciosos para a ação. O primeiro estrago de qualquer bomba é o barulho. Então, não é por nada que se faz muito barulho. Que já tem seus primeiros termos: é preciso acalmar o mercado.

Todavia, pensando objetivamente e afastadas todas as distopias do terror: a disputa foi vencida por um discurso de esquerda. A oposição não perdeu um jogo, não perdeu uma aposta, não perdeu uma guerra, perdeu a eleição de seu modelo. E não existe nenhuma racionalidade no fato de que mesmo derrotados os agentes do mercado determinam as políticas econômicas. Além disso, Dilma só venceu porque reconheceu que precisa avançar em direção a ampliação da cidadania e isso implica hoje em reduzir vários privilégios de setores parasitários.

Portanto, enquanto as negociações durarem, o clima de instabilidade é estratégico para a direita. Mas, a mobilização das forças progressistas que ainda permanecem no pós-eleitoral é o antídoto a qualquer choque de gestão. E isso tem mostrado que de fato ainda estamos no momento mais radicalizado no Brasil desde 1989 – assim: bastante delicado. Mas, entre as coincidências e os desencontros históricos, é preciso fazer valer que, desta vez, a eleição foi ganha pelo PT.

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