domingo, 11 de novembro de 2012

A arvore, a educação e as praticas socias

Quando criança no interior, sempre tive espaço para explorar a natureza, contato direto com arvores, animais e plantas. Lembro que íamos cortar cana e ali mesmo chupávamos seus suculentos gomos. Ou quando pegávamos direto das arvores mangas, goiabas, jabuticabas. Subir nas árvores era uma habilidade importante, porque os adultos apanhavam os frutos dos galhos mais próximos ao chão, alguns espertos usamos varetas para cutucar outros frutos mais altos e derrubar, mas a queda sempre os prejudicava. E nada substituía o prazer de apanhar uma manga suculenta num galho escondido e devora-lá ali mesmo em cima do pé. Essa era uma prática comum que nós, moleques, tínhamos e repetíamos em diferentes momentos do ano à depender da árvore e da fruta de época.
 
Em certa ocasião um primo da cidade grande veio me visitar junto com a família. Minha mãe e minha tia sugeriram que ele fosse comigo jogar futebol na rua, passear e passar a tarde com meus amigos. Nenhum problema nisso, éramos uma turma tranqüila e quanto mais melhor...

Depois de dividirmos os times, equibrando as forcas e os talentos no futebol, colocarmos meu primo como atacante, bem avançado pra que se sobrasse uma bola, ele chutar ao gol, mas que pelo menos não atrapalhasse a defesa. Jogamos até cansar.

Aí foi a vez de entrar mata à dentro procurar uma árvore com laranjas ou uma mexerica que matasse a sede e repusesse as energias gastas correndo atrás da bola. Não sei por qual motivo, não sei nem se precisava de um motivo, o fato é que meu primo, aquele engomadinho vestido com camiseta polo, bermudinha descolada e meia soquete, sem mais nem menos, quando viu uma arvore na sua frente saiu correndo e gritando "quem subir por ultimo é mulher do padre". 

Ficamos todos parados e atônitos. Meus amigos todos olharam na minha direção. E eu dei de ombros. O cachorro do Juninho foi o único que deu um pique na direção do meu primo, mas quando viu que a turma toda continuava imóvel, até ele voltou atrás.

Mas, meu primo da cidade grande estava determinado em demonstrar seus dotes de escalador de arvores. Pisava com firmeza em um galho, se ajeitava em outro, fazia alavanca com os braços e aos poucos foi rompendo arvore acima sob o olhar atento de todos nos lá em baixo. O engraçado é que todos simplesmente ficaram mudos, sem grandes reações; exceto por uma ou outra expressão de estranhamento. Havia uma sensação de expectativa no ar como se todos nós quisessemos entender o que aquele doido estava fazendo. À certa altura da escalada, ele reparou que estava só na subida e que ninguém sequer se animou a acompanhá-lo. Empolgado com sua ação, só tomou ciência disso um tempo depois. Emendou um "e aí, vocês não vem?". Não, não... Não, valeu... Só se tivesse mexerica!... To fora! Só negativas e alguns sorrisos surgindo entre os comentários.

Sem nenhum estimulo para continuar, foi a vez de descer... Aí é que a situação se complicou: aquela era uma árvore típica. Todos tínhamos a noção de que subir é relativamente fácil mas, com poucos apoios para os pés e galhos flexíveis, é muito ruim de descer. A copa era muito estreita, encurtava a mobilidade e ficava num lugar fechado. Subir naquele trambolho não fazia sentido nenhum pra nós: muito esforço, muito risco e nenhuma fruta, nenhuma vista bonita, ou seja, só desgaste sem nenhuma recompensa. Mas, o esforço do pobre garoto da cidade grande descendo da árvore (até que com maestria eu devo admitir), foi seguido de perto por todos nós. Com muito bom humor, todos fazendo piadas e rindo, mas também dando dicas: "põe o pé ali"... "segura naquele galho"... "cuidado ali que pode quebrar..."

Anos mais tarde, já formado e trabalha do na cidade grande, eu conversava com uma amiga sobre as escolas e as dificuldades de se escolher uma boa escola para as crianças. Ela reclamava do preço das boas instituições particulares e citou uma em especifico que cobrava mais de dois mil reais de mesalidade. Poxaa!!! Mas, que cara. E ela emendou: "Bom, mas também eles tem até aulas de horta lá."... O que? Aula de horta? Na minha escola tinha aula de português, matemática, ciências... aula de horta?

Aos poucos uma coisa foi associada à outra e a lembrança do meu primo desembestado correndo pra subir numa arvore inútil me veio à cabeça. Coitado, deve ter tido aula de horta também. Óbvio que a educação na cidade grande é diferente da cidade pequena, assim como o acesso aos bens culturais... Hoje é mais fácil entender isso, mesmo assim, todos erramos quando não adequamos o aprendizado ao contexto, quando não aplicamos as habilidades desenvolvidas ás ocasiões corretas.

Meu primo aprendeu o prazer de subir numa arvore, desenvolveu o gosto por superar um desafio e buscar um objetivo. Todos tínhamos desenvolvido no interior os mesmos gostos de meninos, enfrentando os riscos que a natureza nos coloca e nos propondo a superar. Mas, esse gosto em nos era associado a outras necessidades humanas mais básicas. Nao encarávamos qualquer desafio, selecionavamos entre as opções as mais interessantes e combinávamos o prazer da superação da natureza com outras vontades supridas. Queríamos árvores frutíferas, pra se alimentar depois de gastar energia, ou árvores que nos dessem chances de olhar a paisagem e era um jeito de conhecer o lugar, contemplar a natureza, ou algo assim, mas, tínhamos opções, nada de escolher as primeiras que víamos, ou as mais perigosas e inúteis. Uma árvore pode ser boa para escalar, mas também pode ser boa simplesmente para deixar sob sua copa e aproveitar a sombra.

Conhecimento aplicado tem necessariamente que estar de acordo com a realidade sempre. Quantas e quantas vezes não vi amigos se portando de grandes cientistas, verborragiando sobre temas dos mais sofisticados, mas que quando aplicados na realidade não fazem o menor sentido. Toda a forma de conhecimento é válida. Mas, conhecimntos úteis devem ser também adequados aos agentes. Muitas e muitas vezes me deparei com outras propostas de subir em arvores desnecessárias.

O que fica de lição finalmente nesta história são as implicações da automaticidade do conhecimento apreendido. Não sejamos ingênuos ou soberbos de nos acharmos mais espertos que meu primo. Quem de nós ao aprender um conhecimento novo na escola não ficou ansioso quando viu a oportunidade de aplica-lo fora dela? O grande problema é ter discernimento em saber quando e onde as coisas aprendidas se aplicam.

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