quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Defesa do voto em Fernando Haddad em forma de Crônica

Num dia qualquer, numa livraria qualquer, dessas onde a classe intelectualizada faz o lançamento do livro do amigo, ou vai buscar a ultima moda da neurolinguística, eu passava para tomar um café e roubar uns minutos de internet. Mas, ao invés de entreter-me com a rede, encontrei um amigo de outra data cercado de companhia. Gentilmente fui convidado a juntar-me ao grupo e apresentado como cientista político analista de qualquer coisa que me atribuía certo exagero de currículo. Isso bastou para que o papo mudasse rapidamente para política, que passou numa magnitude assustadora para os escândalos de corrupção, chegou à crise mundial com toda facilidade que a desconexão permitia, até finalizar com considerações brilhantemente enfeitadas com frases de efeito e jargões para discutir a miséria das eleições.
 
Pessoas graduadas, pós-graduadas, bem empregados e com acesso a todo o tipo de informação que se dispõe a buscar, pagavam R$ 3,50 numa xícara de café sem nenhum constrangimento, esses seres abençoados pela Fortuna (não a riqueza, mas a Deusa grega) tinham orgulho de dizer que a política era assunto menor e tratavam-na com a aversão digna dos ignorantes.
 
"Ora, os políticos são todos iguais. Existe ainda alguma diferença entre eles?"
 
Quando eu disse sim, existe, e muita, fui logo interrompido. Claro que ninguém ali estava interessado em discutir política, mas em expor seu desprezo pelo tema, o que fatalmente reforçava o status de superioridade em relação a assuntos menores, talvez mundanos que não seriam adequados aos membros de certo Olimpo intelectualizado frequentador de livrarias, cafés e bistrôs descolados. Não estou descrevendo ignorantes mal formados ou mal intencionados que nunca leram obras clássicas ou não dimensionam o peso das questões publica. Não! Estou descrevendo o comportamento de pessoas bem formadas, que leram Platão, Aristóteles e o a história da democracia ocidental desde suas origens; talvez no original, em grego. E o que essas pessoas bem informadas e intelectualizadas dizem da política hoje? Repetem as besteiras escritas nos jornais e difundidas pelas bocas mais vulgares da opinião publica nacional.
 
Desde que o PT perdeu sua aureola puritana de partido da ética, boa parte da classe media e media alta intelectualizada de origem na esquerda achou por bem abandonar o barco e mostrar-se apolítico. A moda agora para pagar de descolado dos assuntos políticos e interessado em assuntos públicos, como se uma coisa fosse distante da outra. Os barbudinhos partidarizados agora fazem pouco sucesso nas rodas de debates e só têm alguma chance se fizerem parte de um Partido radicalizado, entretanto, se houver alguma ligação entre política e realidade conjuntural, o interlocutor logo passa a ser taxado como o chato da conversa. Defender o PT então nessas rodas seria o mesmo que suicídio social.
 
O que esses ex-esquerdistas não perceberam foi seu próprio processo de vulgarização, muito mais forte que qualquer Partido envolvido em escândalos de corrupção. Ao se distanciarem das bases do Partido e ao defenderem e praticarem o voto nulo ou o voto descomprometido deixaram-se render pelo discurso da elite despolarizada, mesquinha, orgulhosa e soberba que sempre foi alvo das suas criticas.

Weber já dizia: ser neutro é optar pelo mais forte. Quando os escândalos de corrupção surgiram em distintos governos do PT e essa categoria social se afastou do Partido lavando suas mãos, ajudaram a fortalecer duas tendências: primeiro, o Partido tornou-se cada vez mais vulnerável a ação dos corruptos e, segundo, esse segmento intelectualizado dos cidadãos de esquerda ou que se definem como esquerda tornou-se tão conservador quanto qualquer reacionário.
 
Até entendo a opção das categorias sociais intelectualizadas em afastar-se da política. São de classe media, moram nas regiões centrais, usam transporte publico quando convém, mas têm carro e dinheiro pra pagar taxi, não precisam de CEUs porque podem colocar seus filhos em escolas privadas, moram em edifícios com proteção reforçada e nem precisam saber o que é GCM, têm opções de lazer e são capazes de fazer viagens programadas para fugir de São Paulo quando a cidade se torna inóspita. Então não faz a menor diferença se o futuro prefeito for Serra ou Russomano. A vida dessas pessoas pouco ou quase nada vai mudar e eles ainda terão muitos assuntos para os bistrôs. Entendo mas não admito, porque dizer que Haddad vai ser igual aos outros é no mínimo estupidez.
 
Pode ser que um governo de esquerda não faça tanta diferença em relação ao modo de vida das pessoas que se impressionam com a corrosão da moral estampada na pagina 3 da Folha de São Paulo. Mas são os governos de esquerda que ainda mantém o dialogo com movimentos sociais e esses governos não podem ser igualados a conservadores e aventureiros como igualamos diferentes latas de atum desconhecidas que se colocam enfileiradas lado a lado na prateleira do supermercado. Perdoem-me os meus amigos da classe media que se denominam de esquerda com quem fatalmente tomo café nas livrarias descoladas da cidade, mas não esta em discussão nosso marasmo político ou nosso modo de vida blasé. Tem muito mais em jogo nessa eleição e diz respeito a uma proporção gigantesca de movimentos sociais que precisam do apoio, do envolvimento e dos votos de seus antigos aliados esquerdistas.

Haddad precisa disso para recolocar os movimentos sociais no poder e buscar políticas para incorporar as carências dos mais necessitados na agenda de São Paulo.

5 comentários:

Júlia disse...

Bom texto. Eu acrescentaria o fato da corrupção ser motivação também para o voto nulo, o fato de "todos são iguais", por que todos são corruptos, também é algo que facilmente se escuta, de pessoas instruídas, como minha mãe por exemplo até pessoas mais humildes. O fato é que, não é só o governo que é corrupto, milhares de relações são corruptas, começando pela sonegação de impostos de um indivíduo, até atos ilegais de empresas, organizações, igrejas, comércio enfim. A cultura de corrupção no Brasil ou "jeitinho brasileiro" pode ser exemplificada por qualquer um em diversas áreas da sociedade. E se formos comparar transparência de governos, sejamos francos, o Brasil tem muitos instrumentos de prestações de conta, é só saber utiliza-los e não se apoiar somente nos números tendenciosos da mídia. Por tanto é necessário ter uma análise não só da sociedade em que estamos inseridos como um todo, mas de nós mesmos, antes de dizer que ninguém é bom o suficiente afirmando corrupção como causa. Claro, não estou apoiando a perpetuação da corrupção ela deve ser combatida e vigiada, sempre, mas acredito que o melhor jeito não é anulando o voto.

Luis Vita disse...

Concordo e assino em baixo Ju,
a corrupção não é monopólio dos políticos no caso do Brasil, e infelizmente somos muito pobreem acompanhar, exigir, lutar, preferimos nos eximir!
valeu
LF

Luis Vita disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
x disse...

"...e infelizmente somos muito pobreem acompanhar, exigir, lutar, preferimos nos eximir!
valeu"

Prezado Luiz Fernando Vitagliano,
por favor, não me conte entre os descritos acima, ou, em outras palavras, me inclua fora dessa.
Muito respeitosamente,
Caio, cidadão brasileiro, socialista e que não é Zé Mané.

Luis Vita disse...

Caro Caio,
O "somos... " é um termo genérico para referir-se a participação política da sociedade como um todo, não para casos em particular. É óbvio que existe muita gente politizada no país, mas muito menos que a média de países onde a política é parte importante da vida pública e cidadã. Embora eu não goste da metáfora do futebol, acho que o caso se aplica: se tratassemos os políticos com os mesmos critérios e cobranças como tratamos o técnico da seleção brasileira de futebol, talvez houvesse mais engajamento. Mais uma vez, repito, isso não quer dizer que só temos pessoas despolitizadas no Brasil, mas quer dizer que na média, em geral, estamos muito aquém de um envolvimento necessário e frutífero

PS: à propósito "Luis, com 'S'"