segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Aula 1: Ciência Política Clássica aplicada ao cotidiano

Segundo Thomás Hobbes o Estado Moderno deve ser como um Leviatã, com todos os poderes opressores possíveis. Detentor da força e da capacidade de submeter seus cidadãos ao poder das suas opressões. Mas, um bom leitor de Hobbes vai se lembrar do contrato social ao qual até mesmo o rei deve se submeter. Todo Estado moderno deve levar em consideração que os cidadão abrem mão da sua liberdade e ganham com isso segurança. Contra a barbárie de uma guerra de todos contra todos, da sujeição do homem ao egoísmo do próprio homem nasce o Leviatã, o Estado, aquele aparato que vai impor ordem à sociedade. E mesmo nesta proposta hobbesiana de política, onde o estado é monárquico e absoluto há uma única possibilidade de desobediência civil: quando o Estado não dá segurança aos seus cidadãos, os cidadãos têm o direito de questionar a autoridade do rei. E, devemos entender segurança no seu sentido mais amplo: segurança alimentar, segurança civil, segurança contra ameaças internas e externas à vida dos cidadãos, mas também segurança de que pode ter uma vida plena para realizar tranquilamente trabalho e devoção à Deus (Hobbes era um bom católico). E, para resumir a teoria hobbesiana, se não é por todas essas funções exercidas pelo Estado em nome da segurança, por que uma pessoa trocaria sua liberdade?

John Locke, um dos pais do liberalismo moderno e talvez a principal referência clássica aos federalistas da constituição americana defende que a propriedade privada deve, em todos os casos ser resguardada. A propriedade privada, fruto do trabalho e da dedicação do homem a transformação da natureza deve ser defendida como um direito fundamental. Para Locke nenhum direito está acima deste. Para defender sua propriedade uma pessoa pode até mesmo desobedecer a ordem do Estado. Todos os cidadãos têm direitos e deveres, mas nenhum direito pode se impor ao direito da propriedade porque Locke entende que a propriedade é fruto do trabalho e a dignidade de quem trabalha deve ser defendida a todo o custo. E quando conquistamos propriedades ilicitamente, sem o uso do trabalho? Ou quando temos mais propriedades que nosso trabalho pode defender? Nem mesmo Locke defende este regime de propriedade. O Estado em Locke deve se preocupar exclusivamente com isso: as garantias das valorizações do trabalho como forma de resguardar a propriedade, que ninguém use da  força ou de poder para levar vantagens sobre ninguém e que simplesmente seja preservada a liberdade de fazer.

Dos liberais, o mais marcante cientista político clássico é sem dúvidas Jean Jaques Rousseau. Sua obra é uma mistura de ensaios com defesas engajadas da emancipação humana. Rousseau teve influencia fundamental na Revolução Francesa e foi sem dúvidas um dos mais lidos cientistas para as discussões sobre república moderna. No seu Discurso sobre as origens e fundamentos da desigualdade entre os homens Rousseau defende que das várias fases do desenvolvimento das sociedades humanas a desigualdade começa a aparecer quando se cria a noção de propriedade privada e os governos garantem que a divisão entre ricos e pobres preserve-se. No Contrato Social Rousseau não aceita que os homens entreguem sua liberdade aos dirigentes. Rousseau usa para defender as noções de liberdade presentes no Contrato e de Igualdade presente no Discurso sobre a origem a noção de república. Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Azul, Branco e Vermelho são os lemas da revolução francesa que colorem a bandeira daquele país e que se baseiam nas noções de pensadores clássicos como Rousseau (principalmente), Montesquieu, Diderot, d’Alembert, Voltaire etc. Ficando apenas em Rousseau, a ideia de república é que o público se coloque acima dos interesses individuais. Para a filosofia política francesa os interesses republicanos valem mais que os interesses privados.

Levando em consideração esses filósofos clássicos há uma clara diferença entre a ciência política francesa e a saxônica. Enquanto as constituições inglesa (monárquica) e norte-americana (federalista) simplesmente versam sobre os direitos e deveres individuais, a constituição republicana francesa fala do universalismo dos direitos e das garantias básicas dos cidadãos. Pensa a sociedade de forma coletiva e universalizada, com garantias que devem sobrepor o coletivo ao individual. O Brasil foi nitidamente influenciado pelo Estado de Direito francês onde a universalidade de direitos que se impõe, é só lembrar que a constituição de 1988 foi batizada com Constituição Cidadã, dada a abrangência com que garantia direitos sociais aos brasileiros.

Não foi despropositada este longo exercício de memória da Ciência Política Clássica e dos filósofos políticos. Se tomarmos esses pensadores para falar da recente crise da reintegração de posse dos moradores de Pinheirinho, nada do que se defende em relação à reintegração pode ser fundamentado. Primeiro, o Estado brasileiro tem obrigação de garantir aos cidadãos garantias mínimas de direito. A tomar pela constituição do Estado republicano brasileiro, não podemos condenar comunidades que através da desobediência civil tentam garantir seu direito a moradia, educação e saúde. Hobbes poderia dizer que no Brasil o dever fundamental do Estado em garantir segurança aos seus cidadãos não é cumprido e isso desobriga os cidadãos não protegidos pelos direitos fundamentais a cumprirem com o contrato social. Locke, sobre o caso de pinheirinho, diria que aquele espaço não foi conquistado com base no trabalho, mas em manobras de especuladores e criminosos do colarinho branco. E se os moradores locais trabalharam e promoveram benefícios ao lugar construindo sua casa com seu próprio trabalho isso deve ser mais valorizado que o termo de posso conquistado com base em manobras jurídicas. Rousseau diria que o direito republicano dos cidadãos mais do que direito, torna-os obrigados a contraria o governo e agir e que a propriedade privada neste caso é antirrepublicana.

No curso básico de Pensamento Político Clássico ainda teríamos aulas sobre Maquiavel. Bem, o caso de Pinheirinho visto sob a ótica maquiavélica é um exemplo de como o Príncipe não deve se comportar. Precipitada, mal dirigida, escandalosa e desnecessária foi a reintegração de posse. Provocou crise com os moradores, tornou-se manchete dos veículos de imprensa, desgastou a relação entre governo estadual e federal. Os fins justificam os meios somente quando os fins levam em consideração o bem público. A reintegração de posse foi muito mais um exercício exagerado de autoridade que não fez nem com que o Príncipe fosse amado ou respeitado, mas odiado. Ou seja, nenhuma das lições contidas em Maquiavel foi assimilada no caso e a real politik foi abandonada em função de interesses ainda absolutamente obscuros.

Falando especificamente da experiência brasileira, qualquer pessoa minimamente envolvida com as políticas de urbanização e desocupação de zonas irregulares sabe que os procedimentos são diferentes. Em primeiro lugar, quando se trata de uma ocupação irregular, a única justificativa plausível para a retirada das famílias é se o terreno é uma área de risco ou um espaço de preservação ambiental. Encostas e regiões ribeirinhas ocupadas não são prioridades dos ocupantes, o Estado deve providenciar a desocupação. De outro lado, quando a região não é de risco, outras atitudes devem ser consideradas, a primeira delas é a manutenção das famílias nos locais e a urbanização das áreas, com a iluminação pública, a abertura de vias de transito, a regularização do fornecimento de agua e luz e a garantia de tratamento do esgoto. Remoção das famílias tem que ser negociada, combinada, acertada e garantida com outras possibilidades. Se não acontece desta forma, o governo esta suscetível às criticas e o motivo é bastante simples: é obrigação de o Estado gerar moradias antes mesmo de garantir o direito de acumulação para especuladores. Alguém duvida dessa hierarquia em relação a esses direitos?

 Às vezes, olhando comentários na internet ou na TV dá a impressão é que quem está em favor da comunidade do Pinheirinho é arruaceiro, quer rasgar a constituição, não quer saber dos direitos na sociedade, mas aparentemente é justamente o contrário: defender a comunidade do Pinheirinho é defender a constituição e os direitos sociais no Brasil apesar do Estado e das Classes Medias quererem defender o interesse de alguns poucos privilegiados.

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