sexta-feira, 19 de agosto de 2011

O gato da vizinha e as teorias sociais

6h30 da madruga. Acordo com um escândalo dos cachorros ao pé da minha janela. Lá do primeiro andar eu grito e esperneio pra que eles fiquem quietos. Em vão porque a agitação continua. Joguei alguma coisa da janela lá em baixo e eles desviaram. Sei lá, acho que era uma pilha. Olhei então no horizonte e vi que a agitação dificilmente seria contida pela revolta. Postado, com um ar de superioridade felina, o gato dos vizinhos estava imóvel olhando a cena. Nessa hora, aquele olhar desprovido de qualquer reação provocava em mim a ideia de que aquele maldito gato se divertia às custas da minha cara inchada de quem acabou do acordar com mau humor violento. Peguei uma bolinha de tênis e mirei no muro bem perto de onde ele se colocava imponente. Joguei e dei um susto naquele maldito. Só assim pra fazê-lo mover-se. Claro que não quis acertar, mesmo porque, tirando os gatos, os vizinhos são muito gente boa...

Agora imagine o seguinte caos. O gato da vizinha sai de casa todas as manhãs quando ela abre a porta, geralmente seis e pancada. O gato percebeu que andar sobre o muro que divide minha casa do vizinho, provoca nos cachorros do meu quintal uma reação de agitação. Os latidos são fortes e inúteis, até porque o gato também já percebeu que caminha em segurança pelo muro e que os cachorros não tem a menor condição de oferecer perigo a ele naquela posição. Aí fica o gato parado, hora no muro, hora no telhado. E ficam os cachorros a correr pelos cantos, latir e se agitar pela casa. Nisso eu acordo as 6hrs quando poderia acordar as 8hr30m; imagine a diferença. Mas, nos dias em que dou aula preciso acordar às 7hrs e quero o melhor sono para estar disposto. Aí, como aconteceu naquela terça feira, perco meus últimos e mais preciosos momentos de descanso e já levanto de mau humor.

Escovo os dentes, me troco e tomo café #mauhumorado, pra não dizer fulo! O ritual em que o gato fica no muro e os cachorros latindo e esperneando continua a acontecer e isso alimenta minha raiva. Meia hora depois, quando saio de casa. Já estou em grau elevado de irritação e depois de umas 20 tentativas de afastar o gato do muro com a bolinha de tênis, sem acertar nele, já começo a considerar a hipótese de acertar por acidente. Claro que é só uma consideração que não vai ocorrer – mesmo porque sou péssimo de mira.

Mau humorado saio de casa. Acordei cedo (detesto acordar cedo), ainda com sono (porque adoro dormir tarde), sono interrompido com o escândalo dos cachorros, que não para nem com o café da manhã, pego o caminho da roça já puto da vida com tudo aqui. Chego na sala de aula e dou aquela aula mau humorado, irritado e acabo irritando também meus alunos. Esses, que trabalham à tarde e tiveram uma péssima relação com a aula, são contagiados pela minha irritação e vão para seus trabalhos irritados também. Depois agora irritam seus chefes. Os chefes irritados irritam outros funcionários que irritam novos chefes e assim vai. Resultado: todo mundo acaba ficando estressado num interminável efeito em cadeia.

Conclusão: posso afirmar que a irritação e o stress paulistanos são da culpa do gato do meu vizinho?

Não. Mas faz sentido... Faz sentido porque as conexões lógicas envolvidas neste fato foram deslocadas do seu tempo e espaço originários. Ainda que as primeiras relações possam nos levar a entender que a agitação dos cachorros provocada pelas presença do gato da vizinha tem me irritado pela manhã, nada pode me dizer que isso interfere na minha aula e muito menos que meus alunos vão se estressar com meu stress. E uma relação mais absurda ainda é supor que esse stress da sala seria levado adiante. Mas, se eu construir, a partir de fatos e eventos, relações de causas e efeito isoladas de um universo mais amplo e desconsiderar todas as outras forças em ação, vou cometer uma série de erros de julgamento.
Na física podemos desconsiderar o atrito do ar para calcular a gravidade. Também dizemos que em CNTP se faz um experimento, pra tirar uma medida mais ou menos padrão, ainda que não necessariamente precisa. Nas ciências humanas as relações são menos passiveis de avaliarmos suas forças, embora o exercício de pensar que forças movimentam comportamentos esteja sempre presente nas análises psicológicas.
Enfim, para não deixar essa história sem conclusão, e para preservar minhas noites saudáveis de descanso, ou eu preciso substituir meus cachorros por gatos, ou minha vizinha trocar gatos por cachorros, porque é essa diversidade a grande causadora de conflitos.

3 comentários:

Andrea de Godoy Neto disse...

ihh, tu não gosta de gatos!!! não pode vir me visitar :P

os gatos têm mesmo esse comportamento de superioridade...e os cães, tadinhos, tão lindos e tão bobinhos, latem, latem, mas nada de conseguir morder, né? Tipo a pessoa que acorda mau humorada...ou será que essa morde? rsrsrs
eu adoooro a diversidade!
beijo

S.R.Linguite (Stein Meio-orc) disse...

"ou eu preciso substituir meus cachorros por gatos, ou minha vizinha trocar gatos por cachorros, porque é essa diversidade a grande causadora de conflitos"... se é assim que pensam os "cientistas sociais" de hoje em dia, e os que dão aulas, ainda por cima, o mundo realmente está bem perto de se perder...

LuisVita disse...

Para se ler um texto como esse, cheio de alegorias e ironias, é preciso não levar as palavras ao pé da letra. Se pelo menos o senhor 'meio-orc' lesse as outras postagens perceberia que não pode definir pela provocação do final do texto o que pensa ESTE cientista social. Pelo todo da categoria ('os cientista sociais de hoje em dia'), felizmente, eu não posso responder...