quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Interrupção da Gravidez

Por que chamar de aborto? Aquela imagem que nos é passada de um bebê retirada do ventre da mãe e jogada na lata do lixo não tem o mesmo sentido que os métodos contraceptivos modernos.

Claro que a crueldade contra um feto é uma crueldade contra um ser vivo. Mas, em primeiro lugar, há uma discussão a respeito de em que momento se começa a vida? Quando um óvulo é fecundado por um espermatozóide? Se é no momento da concepção, do pecado original, então o corpo feminino tem mais possibilidades de aborto que de concepção. Segundo essa idéia, naturalmente a mulher praticaria pelo menos abortos 25 dos 28 dias do ciclo menstrual. Porque uma gravidez não se dá exatamente pelo encontro do espermatozóide com o óvulo, se dá também a partir do encontro de ambos no exato dia em que o óvulo se encontra na trompa. Fora isso, ovulo fecundado ou não, é expelido pelos hormônios femininos. E que venha a TPM.

Rigorosamente falando, não podemos considerar aborto essa expulsão espontânea do órgão. Naturalismos à parte – já não somos naturalistas há séculos, mas vamos lá – se aborto é expelir pra fora ovulo fecundado, que sejam presas todas as mulheres que fazem sexo e que tem ciclo menstrual, porque vez ou outra serão traídas pelo seu próprio corpo. No rigor desta concepção, qualquer anticoncepcional é abortivo, porque força o ciclo menstrual mesmo com o ovulo fecundado na trompa. No rigor dessa expressão, camisinha não seria abortivo porque impede a fecundação.

Deixando a ciência de lado, infelizmente ainda resistem movimentos na sociedade civil que ignoram os benefícios que a modernidade e a ciência nos proporcionaram para decidir a respeito de quando queremos e se queremos ter filhos. As principais Instituições religiosas são contra qualquer tipo de artificialidade nas relações sexuais. Até entendo que a base desses movimentos seja a vida e a família, mas daí a ignorar os avanços da medicina e da ciência, há uma distância sem fim.

A natureza criou mecanismos de seleção natural e controle da natalidade. O homem enfrentou a natureza e construiu artifícios para burlá-la. A medicina prolonga artificialmente nossa vida e a melhora inclusive qualitativamente. Os artifícios da modernidade para encarar a natureza estão em toda parte. Basta por um dos pés em uma farmácia. Basta acordar pela manhã e escovar seus dentes.

Evidentemente, quando falamos em métodos de Interrupção da Gravidez, não precisamos chegar ao aborto, mas a remédios que possam forçar o óvulo a deixa o corpo no início do processo, quando não há formação de feto.

Muitas feministas e pessoas que defendem o aborto vão dizer que estou errado e que é direito da mulher interromper a gravidez. Talvez elas tenham razão, talvez não. Este tema ainda é bastante espinhoso e prefiro não entrar nele. Por isso este texto fala exclusivamente de interrupção de gravidez, de métodos contraceptivos que existem inclusive quando é possível perceber que a gravidez é certa, mas é possível interrompê-la no início, antes da formação do feto.

Por que não quero entrar no debate sobre aborto? Porque esse debate ainda não está maduro. Nossa sociedade ainda precisa discutir o tema antes de tirar uma conclusão. Hoje, ainda não há ambiente social para permitir a legalidade do aborto no país. Mas, há sim desenvolvimento para tratar de métodos contraceptivos que interrompem a gravidez.

É hipócrita nossa discussão presidencial. Criam um mundo entre bem e mal. Pessoas a favor do aborto, demônios contra a vida, versus pessoas contra o aborto, portanto celestes anjos de divina providência que defendem os fracos rebentos.
Isso desloca completamente a discussão do maior problema social que o país tem hoje. Me desculpem as feministas, elas tem todo o direito de defender sua causa, a questão da liberdade da mulher tratar de seu próprio ventre – embora elas mesmas devam considerar que esse é um debate bastante polêmico e perigoso. Todavia, existe uma questão de saúde coletiva anterior a essa: o ultimo dado que tive notifica foi que metade das mortes garotas entre 15 e 25 anos ocorre em função de tentativas de aborto. Dessas mortes, a maior parte ocorre porque as vítimas são pobres e não tem condições ou acesso aos métodos seguros. São inúmeros os casos de agulhas e violências contra a gravidez. Se isso é verdade, porque não tratar a questão pelo prisma da saúde pública?

Pessoas estão morrendo para que a consciência puritana de outros estejam intactas. Meu pragmatismo enxerga isso com profunda incompreensão. Como não avaliar a questão através dos dados e informações que temos? Se perguntar a qualquer médico, cristão ou evangélico, ele vai dizer como isso é difícil de lidar. Qualquer pessoa que trabalha com saúde pública e tenha o mínimo de sensibilidade social pode descrever quantos equívocos existem na questão. Porque então perguntar a padres e pastores a posição deles e de suas instituições e não a médicos e enfermeiros e aos dados presentes em hospitais?

Sinceramente, como analista, entendo a questão como saúde pública. Reconheço que não estou vendo a questão como defendem as feministas, através dos direitos e liberdades da mulher. Meu ponto é a saúde pública. Além disso, como ser humano, não me permito julgar a atitude de pessoas que optam por esses métodos, e gostaria que a sociedade não julgasse. Me desculpem aqueles que são contra o aborto, mas a questão esta toda mal colocada. Não se trata de mandar criancinhas para o limbo, mas de tratar da saúde da mulher – principalmente das adolescentes. Pensando nesses termos, como é equivocado e a que serviço se presta o atual debate presidencial. Que retrocesso...

Veja: Matéria publicado no Domingo 10/10/2010 pelo O GLOBO:

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