sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Materialismo na construção da subjetividade

Andando com meu tio na rua, percebi que ele desviou o caminho, desceu pelo meio fio e caminhou ao lado da sarjeta alguns passos, até voltar à calçada. Olhei para o chão e o no trajeto havia um fio de água, pequeno de uma loja que acabava de lavar seu chão. Nos pés do meu acompanhante havia um sapato praticamente novo, com um solado de mais de 4cm. Interroguei meu tio a respeito do ocorrido. Estranho alguém desviar o caminho por um fio de água que sequer faria umidecer um solado. A resposta foi categórica: “costume!”.
Pus-me a pensar por que uma pessoa se acostumaria a desviar-se da água? Conheço relativamente aquela história pessoal para poder dizer que se existe um sapato novo ali, nem sempre foi assim. Se a pessoa tem um sapato surrado durante muito tempo, sabe do risco da infiltração da água no solado. Qualquer fio de água pode molhar o solado e a meia. E quando se molha a meia, é o fim porque o pé fica úmido o dia todo. Às vezes é inevitável: quem não teve os pés molhados por uma chuva e passou por uma meia úmida o dia todo? A diferença é que quando nosso orçamento é curto, um sapato é o normal e se usa até surrar a sola. Quando o transporte coletivo é a moda, o solado sofre com os deslocamentos e o desgaste é inevitável e cedo ou tarde rola um buraquinho aqui um uma descosturada ali...
Se a vida toda você andou de sapato velho é normal que inconscientemente você crie o habito de lidar com a possibilidade dele não estar em boas condições, e niguém fica se policiando pra saber o que pode fazer, se já está usando o sapato novo ou ainda mantem velhos habitos. Sabendo com conhecimento de causa e tendo vivido várias experiencias de meias molhadas pelas infiltrações, mais que isso, consciente de que um dia todo pode tornar-se incômodo por simples poças dágua, meu tio nem pensou nas possibilidades presentes, simplesmente mudou seu caminho. Ou, como ele mesmo disse, agiu por habito.
Aquilo que foi definido por ele como costume, na verdade é um modo de proceder que depende da sua formação cultural e principalmente, no caso, da sua condição social. É um simples exemplo, mas me fez recorrer à sociologia para entendê-lo e me colocou ao lado daqueles que entendem a formação da subjetividade se dá a partir da constituição da materialidade social. Ou seja, antes de você ser um ser provido de razão oriunda de uma condição humana de consciência, você é um ser provido de sensibilidade num mundo concreto e é a partir dessa concretude que se constrói a consciência - para nós materialistas os homens não tomam consciencia aprioristica, somos seres sociais que adquirimos consciencia a partir do processo sensível.
A diferença entre os materialistas e idealistas (a diferença básica, pelo menos) é que enquanto os idealistas supõe que a consciência subjetiva do homem é inerente à sua existência mundana, os materialistas afirmam que é a sensibilidade em relação ao mundo que forma a consciência e os limites da consciência do ser social. Por isso, para os materialistas é importante a questão da igualdade para permitir que todos possamos desenvolver nosso potencial emancipatório como seres humanos.
Neste contexto é que utilizo o exemplo do meu tio. Foi sua necessidade social e seu constante aprendizado a respeito dos limites que se permitia é que fez com que ele automaticamente mudasse seu rumo diante da água. Assim que vejo inúmeros pobres baixando a cabeça quando alguém fala mais alto, assim entendo a classe trabalhadora que pouco paga por serviços e espera sempre que, entre poder fazer ou pagar, tentar por si própria fazer, assim vejo também que a classe média sempre quer conservar seus benefícios e aproximar-se de uma aristocracia que as distingue dos pobres e automaticamente se indigna quando percebe que divide o mesmo espaço com a ralé. Através da hipótese materialista construímos interpretações e classificações aproximam nossas gerações e posições sociais constituídas historicamente de um modus operandi característico de determinadas castas. Sociologicamente posso até entender como o mundo se divide. Socialmente, é bem provável que eu não concorde com essas disfunções que a sociedade causa na nossa subjetividade

(Imagine quais as possibilidades de consciência proporcionado pelo domínio que o homem historicamente construiu quando sua intervenção na natureza traduziu-se em tecnologia)

Nenhum comentário: