
Sei que já falei sobre essa história aqui, mas repito para tentar superar o trauma....
Minha formatura de faculdade foi em conjunto com as turmas de história e filosofia – é senhoras e senhores, paguei esse mico. Os historiadores eram só alegria, faziam todos os jargões de formados, com direito a Fred Mercury, Milton Nascimento e, por ser da humanidades, acho que rolou até um Renato Teixeira (“caminhando e cantando a canção... “) ou um “sem lenço e sem documento...” do Caetano. Nós das Ciências Sociais éramos só incredulidade. Mas, os filósofos, seis ou sete resistentes do curso (de longe o mais difícil e desgastante das Ciências Humanas – fácil de entrar e difícil de sair) àquela meia dúzia de resistentes, estava raivosa. Era provavelmente um ritual que mascarava todos os valores duramente construídos por eles. Porque na atualidade esses rituais são desprovidos de essência, são puramente jogo de cena para desfilar alguma vez no tapete vermelho tirar fotos e estampar títulos e vaidades
Bem, aparte minha crítica aos rituais hollywoodianos que se tornaram formaturas, casamentos, batismos, velórios (okey, velórios ainda não... ainda). O que mais me chamou a atenção naquela formatura foi o discurso do professor homenageado da filosofia. Contava ele, que na USP dos anos 1960, onde ele estudou, formava-se por ano, basicamente 4 alunos. O primeiro conseguia uma bolsa para fazer sua pós-graduação na França. O segundo seguiria carreira ali mesmo, no próprio departamento de filosofia; entrava pós-graduando e em pouco tempo já assumia aulas. Um terceiro em geral era contratado pela Editora Abril pela sua excelente formação e erudição, estudos de grego, latim, conceitos eram fundamentais. Já um quarto aluno tornava-se um bêbado, largado, jogado na sarjeta. Completou o professor: talvez o mais filósofo dos quatro teria sido este quarto aluno. E concluiu: a filosofia não tem lugar na nossa sociedade.
Verdade crua esfregada ao brio dos formandos presentes. Nosso mundo não dá espaço ao pensamento abstrato, ao ócio, ao reflexivo. Somos práticos, diretos, produtivos, materiais. Paramos pouco tempo para refletir e buscamos materializar nossas conquistas em ganhos, bens materiais e expressões pomposas do nosso sucesso. Ser filosofo neste mundo é conviver com um paradoxo. De um lado esta a expressão e o estudo da essência do homem, a capacidade de se questionar por todo o momento sobre “o que é justo?”; “o que é verdadeiro?”; e “o que é belo?”; de outro lado está nosso capacidade de abandonar tudo isso em nome de um projeto qualquer. Conheço poucas pessoas que conseguem associar seu amor às coisas justas e belas com sua capacidade de produzir e fazer do mundo um lugar melhor.
Talvez por serem raras essas pessoas, por eu conhecer e admirar tão poucas pessoas assim, me irrito de forma anormal com os falsos filósofos. E hoje a maior expressão da falsa filosofia é o ascendente gênero literário da auto-ajuda. Muitos que se dizem filósofos ou interessados no bem da humanidade são, na verdade, charlatões que vendem meias palavras de consolo a nossa cada vez mais distante busca por entendimento do mundo.
Entendermo-nos em nossa própria complexidade significa ir além do que o mundo nos aparenta. A aparência de sucesso ou vitória de alguns pode ser apenas jogo de cena para um universo vazio de sentido. Buscar o sentido do mundo é sempre encontrar certo vazio em nós mesmos. Os verdadeiros filósofos não convertem em produto o fruto da sua reflexão. Os verdadeiros filósofos não dizem coisas reconfortantes à miséria humana, porque buscam a verdade. Admiro aqueles que conseguem entender que não há glamour na vida. Que sabem do custo de um projeto e do quão sofrido se faz. Admiro aqueles que refletem com serenidade sobre sua própria miséria – e que riem do que consideramos riqueza só por haver cifras no estrato da conta corrente. Há pessoas não profissionais que não precisam discutir filosofia para terem uma interpretação sofisticada do mundo. Mas, de falsos filósofos nosso cotidiano está impregnado, já que por opção, nossa sociedade prefere uma verdade inventada à busca por nossa própria essência desconcertada. E, pior que a opção da hipocrisia da nossa sociedade é dar a determinados agentes o poder de tornarmos mais enganadores de nós mesmos.
Um comentário:
Duas coisas:
1. essa musiquinha “caminhando e cantando a canção... “ é do Geraldo Vandré;
2. acho seu texto fenomenal. De verdade. Parabéns, cara.
Abraço,
Fabiano (da correção do vestibular)
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