sexta-feira, 3 de setembro de 2010

O que é positivismo?

Certa vez (os que estudaram comigo e persistem na leitura deste blog vão se lembrar); certa vez no inicio do meu curso de Ciências Sociais na faculdade, um colega que já não me lembro quem, perguntou à professora de introdução aos estudos geográficos o que era o positivismo do qual ela tanto falava? Ela fez uma breve pausa e respondeu que positivismo vinha de positivo... acho que não terminou a explicação. Um colega emendou que era uma corrente teórica sociológica do século XIX em que a idéia de progresso associada à evolução era uma forma de entender o mundo social.
Usualmente as pessoas defendem esse ponto de vista, e passei a entender bem que o positivismo é uma corrente teórica em que há uma interpretação progressiva do mundo. As sociedades evoluem, os primitivos estão em uma fase anterior e os modernos são estão em condições avançadas de desenvolvimento. Oquei! Como isso foi superado e toda a antropologia estruturalista e outras teorias do desenvolvimento questionaram essa pretensão evolutiva do positivismo, então deixei essa explicação passar, mesmo que não me satisfizesse plenamente – faltavam elementos lógicos.
Uma das questões que mais me intrigavam a respeito do positivismo é que não apenas o sociólogo francês August Comte era o principal representante do positivismo, mas também o austríaco Hans Kelsen tinha levado o positivismo ao direito, imediatamente de uma interpretação kantiana do direito – a tal da teoria pura do direito. Comte, tudo bem eu entendia o evolucionismo da ordem e do progresso, mas o direito positivo de Kelsen não se encaixava no simples fato da evolução ordenada da sociedade. Que história era essa de teoria pura do direito? O direito positivo é o direito científico e objetivo, material. Mas, o que isso tem a ver com positivismo?
Kelsen baseia-se em Kant e Comte. Kant estuda Hume e desenvolve as três críticas: razão pura, razão prática, juízo. Tem-se ai a discussão a respeito do objeto das ciências humanas. Na razão pura surge a ontologia do ser, seus verdadeiros imperativos, os imperativos categóricos kantianos: àquelas condições que antecedem a experiência e por isso são universais. Na razão prática, a expressão do ser racional a partir das suas manifestações mundanas, da experiência, surge o juízo e seus códigos, os seus valores; e, por fim, o juízo estético, o gosto e as opiniões como o belo. Para Kant, a filosofia tem o problema de confundir sujeito e objeto. Herda isso de David Hume (Tratado a cerca da Natureza Humana) e desenvolve suas três críticas. Na filosofia o objeto de investigação é o próprio sujeito do conhecimento. Quando os cientistas da natureza estudam uma árvore, tem-se um objeto distinto do detentor do conhecimento. Uma arvore é uma árvore, independente de a conhecermos. Mas, quando o homem estuda o homem, o conhecimento do sujeito sobre o objeto muda as características do objeto.
O que isso tem à ver com o positivismo? Kant é a origem do pensamento positivista. Para Comte era necessário encontrar um objeto de estudo da sociologia. Este objeto deveria fazer da sociologia uma ciência como outra qualquer: matemática, física, química, biologia. Ou seja, uma ciência exata que não muda de acordo com o conhecimento do objeto. O método positivista é isso: uma forma de entender a ciência onde o conhecimento é preciso o suficiente para tornar-se objetivo. Aí esta: o positivismo considera o objeto do conhecimento apreensível, quer tornar-se uma ciência tão objetiva como a física. Assim, busca isolar as interferências externas que não ajudam a explicar o objeto em questão e centrar seu método no entendimento do objeto a partir de um conhecimento apreensível da relação positiva entre objeto e sujeito do conhecimento.

Comte queria um estudo da sociedade que fosse preciso. Tão preciso quanto o estudo de Darwin sobre a evolução das espécies. Um conhecimento que incluísse lógica na observação e que fosse ‘neutro’. Isso só seria possível criando uma relação positiva com o objeto do conhecimento para que se pudesse extrair dele o conhecimento. Assim, nesta relação objetiva e positiva entre investigação e apreensão entre sujeito e objeto das ciências sociais é que Comte ficou conhecido como positivista.
No direito positivo e puro das sociedades ocidentais, principalmente na sua herança austríaco e francesa, Kelsen torna tanto Kant como Comte importantes. Kant porque trouxe imperativos categóricos apriorísticos que antecedem a experiência como condição fundamental do homem. Depois, Comte por propor um objeto da sociologia que fosse apreensível objetivamente. A teoria pura do direito considera as duas coisas. Primeiro: existem compromissos humanos fundamentais; com a justiça, com a verdade, com a liberdade, com a igualdade etc. Isso é razão pura kantiana. Segundo, quando os compromissos são violados na experiência humana, surge o crime, e o crime é apreensível na sua objetividade através de um método cientifico de interpretação. Cabe ao direito positivo desenvolver um método de apreensão dos fatos que seja objetivo com relação à realidade, portanto, afastando toda a possível má interpretação e desconsiderando eventos que não ajudem a explicar o caso.
E se não acreditarmos que a ciência seja assim tão objetiva? E se duvidarmos da capacidade humana em afastar as possibilidades de conhecimento objetivas e entendermos (como dizia Hume) que o conhecimento sobre si mesmo muda, de alguma forma, o ser que é o objeto e sujeito deste conhecimento? Ou se levarmos em consideração as Teorias da História de Dilthey, onde ele admite que existe um fato que é objetivo. Um fato é realmente um fato, assim como um crime é um crime. Mas, toda e qualquer interpretação de deste fato é subjetiva, porque não é mais o fato em questão, mas são as formas pelas quais esse fato existe.
Há esta altura o leitor deve estar se perguntando pra que tanta discussão a respeito de objetividade e subjetividade; fatos puros e interpretações. Nisso reside toda a questão do direito. Se entendermos que há subjetividade na interpretação de um fato, o direito não pode ser considerado tão positivo e puro como queria Kelsen. Se não pode ser puro, as motivações para a violação da lei podem ser as mais variadas e devem constar nos autos dos processos. Se o direito é puro, não há atenuantes possíveis para um crime. Mas, se há subjetividade na interpretação da lei, temos todo um histórico prévio e posterior que conta.
O direito positivo é forte ainda hoje. O que pode significar que juízes e advogados são pessoas que metodicamente conseguem entender o objeto (caso) em questão na sua objetividade, ou seja, conseguem extrair a verdade de um fato. Na sociologia, porém, demos um passo atrás e reconhecemos que nossa capacidade de apreensão é limitada e que construímos a ciência através do debate entre os pares, inclusive nas suas diferenças.

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