Baltasar Garzón – juiz espanhol especializado em crimes contra a humanidade, genocídio, terrorismo, crime organizado, lavagem de dinheiro, delinqüência econômica e financeira, narcotráfico, foi pioneiro na aplicação da justiça penal universal ao pedir a prisão para vários torturadores da Argentina e Chile; foi ele que pediu a prisão de Pinochet em Londres. Vicente Romero é jornalista e cobriu como correspondente da TVE espanhola a vários conflitos internacionais, desde a guerra do Vietnã a invasão do Iraque. Esses dois profissionais brilhantes e indiscutíveis intelectuais juntaram-se para fazer uma investigação minuciosa sobre a ditadura argentina. O resultado foi um livro recheado de relatos e análises surpreendentes além de um documentário produzido para a TVE espanhola (rede pública de televisão), ambos sob o título de El alma de los verdugos – algo como “A alma dos carrascos”.
As perguntas que sustentam a pesquisa (e o documentário por conseqüência) são instigantes: “O que leva uma pessoa a se tornar torturador? Como pode uma pessoa especializar-se em gerar dor, sofrimento, causar malesas intensas e desmesuráveis em seu semelhante? Como pode uma pessoa torturar, chegando a friamente assassinar seu próximo e ao final do dia ir pra sua casa, beijar sua mulher e acariciar seu filho?... como se seu dia fosse o mais normal do mundo...”. Baixo este eixo investigativo as duas figuras encontraram-se com vitimas das mais violentas ações da ditadura Argentina de 1976 a 1983. Ali, as famosas mães da Plaza de Maio começaram a sua cruzada por justiça contra um Estado repressor e terrorista que se configurou na Argentina nos anos de chumbo.
Os comunistas, esquerdistas ou qualquer outra figura que contestava o regime era colocado sob as mais porcas condições. Às vezes bastava ter o cabelo cumprido e a barba grande para se tornar um suspeito ou potencial inimigo do Estado. Essa loucura generalizada produzida em todo o Cone Sul (Brasil, Argentina, Uruguai, Chile) durante os anos 1970 foi, sem dúvidas, um momento execrável de nossa história.
Os relatos são assustadores, dignos de serem analisados, discutidos e jamais esquecidos. As pessoas perseguidas pelos burocratas, torturadores do regime, as que sobreviveram, tiveram inúmeros sofrimentos ao longo de sua vida, e jamais esqueceram as experiências. Tornaram-se, nas palavras de uma das entrevistadas: memórias de um momento indigesto, arquivos vivos.
Na Argentina, nos final dos anos setenta, muitas mães começaram a buscar desesperadamente seus filhos desaparecidos, seus netos recém nascidos ou ainda por vir que sumiam juntos com os pais. Ninguém as informava do ocorrido. A gente sumia sem deixar rastro. Aos poucos, as muitas mães se encontravam em lugares comuns: hospitais, necrotérios, delegacias. Elas se deram conta de que não eram simplesmente seus filhos os que sumiam, mas filhos de outras pessoas também haviam desaparecido e puderam ver que mais gente que imaginavam vivia na mesma situação. Se juntaram, associaram sua dor e formaram um movimento que aos poucos foi organizado. Toda quinta-feira juntavam-se para manifestar-se em favor de informações sobre seus filhos, netos, parentes, na Plaza de Maio, região central de Buenos Aires. Num momento em que todos tinham medo, ninguém gostava de falar, poucos tinham coragem de se colocar, estas senhoras ingenuamente desafiaram um regime de opressão e terror, tornando-se internacionalmente conhecidas.
O movimento conseguiu progressos: conseguiram recuperar alguns dos netos perdidos (pouco mais de cinqüenta entre os mais de quatrocentos catalogados), organizaram banco de dados e até hoje buscam justiça. Seguindo a pista dessas pessoas e de outras que escaparam de tortura, além de entrevistar alguns torturadores, Garzón e Romero buscaram discutir o que acontecia nos calabouços de um regime que tinha por objetivo afastar a ameaça vermelha do continente através de associação entre militares latino-americanos, alguns setores conservadores dessas sociedades e sempre com o suporte técnico dos Estados Unidos (operação Condor).
Quem são os torturadores?
Nas palavras de Eduardo Galeano, um dos mais reconhecidos intelectuais da atualidade na América Latina, os torturadores não são mais que burocratas de um sistema perverso. “... no fundo, os carrascos são burocratas da dor. Não os vamos presentear a grandeza de crer que são monstros extraordinários. São apenas membros da burocracia.” (Eduardo Galeano em: El alma de los verdugos: 2008, página 119).
Constituiu-se na América Latina neste momento da história um tipo de Estado repressor e perverso um sistema que não se legitimava pela representação ou governo, mas se apoiava do medo e tinha a necessidade de formar e sustentar torturadores. Os governos fabricavam assassinos e os defendiam; quer ocultando suas ações, quer legitimando-os através de uma neutralidade pública.
Em questão há um Estado que estimula, fomenta, defende o que há de pior nas pessoas. Gera mecanismos para que essas pessoas abaixo a defesa da impunidade façam as piores atrocidades com outros. Há certo ponto, contam as vitimas, não faziam tortura para extrair informações ou por algum tipo de castigo por mau comportamento. A tortura era um habito para gerar medo e um exercício para o torturador. Alguns carrascos sentiam prazer nas torturas faziam, sentiam necessidade de exercitar sua veia da crueldade, outros faziam seguindo ordens superiores e outros simplesmente torturavam mecanicamente.
O fato é que gente comum (pelo menos é o que se supõe), que vive sob o mesmo sol que qualquer diabo, foi incumbido de uma missão tão cruel e, o que é pior: cumpriu! Alguns cumpriram com muito prazer tudo que lhes foi encomendado, mas em geral, são raríssimas as exceções e os que confessaram arrependimento ou aqueles que se negaram a seguir o que lhes foi incumbido. Como puderam aceitar que suas funções fossem de extermínio?
Essas histórias, presentes no livro e no documentário, devem circular (merecem uma tradução para o Português) - porque uma forma para que nunca mais se repitam, é difundindo como a estrutura burocrática de um Estado permite que pessoas se tornem vitimas previamente condenadas. Desobedecer aos próprios chefes, colocar-se contra o Estado, contra a hierarquia e contra o mando desordenado de figuras nefastas é muitas vezes o correto. Recusar-se a cumprir ordens que fogem a nossos princípios é muito difícil, porque é mais fácil aceitar a hierarquia, porque a desobediência civil em beneficio do coletivo e o compromisso com a consciência pública só se consegue com um sentido de humanidade adquirido através do exercício da critica e da autocrítica.
O documentário todo pode ser visto no YOUTUBE, basta colocar "El alma de los verdugos" no espaço de busca e o documentário aparece dividido em 12 partes!!
Os comunistas, esquerdistas ou qualquer outra figura que contestava o regime era colocado sob as mais porcas condições. Às vezes bastava ter o cabelo cumprido e a barba grande para se tornar um suspeito ou potencial inimigo do Estado. Essa loucura generalizada produzida em todo o Cone Sul (Brasil, Argentina, Uruguai, Chile) durante os anos 1970 foi, sem dúvidas, um momento execrável de nossa história.
Os relatos são assustadores, dignos de serem analisados, discutidos e jamais esquecidos. As pessoas perseguidas pelos burocratas, torturadores do regime, as que sobreviveram, tiveram inúmeros sofrimentos ao longo de sua vida, e jamais esqueceram as experiências. Tornaram-se, nas palavras de uma das entrevistadas: memórias de um momento indigesto, arquivos vivos.
Na Argentina, nos final dos anos setenta, muitas mães começaram a buscar desesperadamente seus filhos desaparecidos, seus netos recém nascidos ou ainda por vir que sumiam juntos com os pais. Ninguém as informava do ocorrido. A gente sumia sem deixar rastro. Aos poucos, as muitas mães se encontravam em lugares comuns: hospitais, necrotérios, delegacias. Elas se deram conta de que não eram simplesmente seus filhos os que sumiam, mas filhos de outras pessoas também haviam desaparecido e puderam ver que mais gente que imaginavam vivia na mesma situação. Se juntaram, associaram sua dor e formaram um movimento que aos poucos foi organizado. Toda quinta-feira juntavam-se para manifestar-se em favor de informações sobre seus filhos, netos, parentes, na Plaza de Maio, região central de Buenos Aires. Num momento em que todos tinham medo, ninguém gostava de falar, poucos tinham coragem de se colocar, estas senhoras ingenuamente desafiaram um regime de opressão e terror, tornando-se internacionalmente conhecidas.
O movimento conseguiu progressos: conseguiram recuperar alguns dos netos perdidos (pouco mais de cinqüenta entre os mais de quatrocentos catalogados), organizaram banco de dados e até hoje buscam justiça. Seguindo a pista dessas pessoas e de outras que escaparam de tortura, além de entrevistar alguns torturadores, Garzón e Romero buscaram discutir o que acontecia nos calabouços de um regime que tinha por objetivo afastar a ameaça vermelha do continente através de associação entre militares latino-americanos, alguns setores conservadores dessas sociedades e sempre com o suporte técnico dos Estados Unidos (operação Condor).
Nas palavras de Eduardo Galeano, um dos mais reconhecidos intelectuais da atualidade na América Latina, os torturadores não são mais que burocratas de um sistema perverso. “... no fundo, os carrascos são burocratas da dor. Não os vamos presentear a grandeza de crer que são monstros extraordinários. São apenas membros da burocracia.” (Eduardo Galeano em: El alma de los verdugos: 2008, página 119).
Constituiu-se na América Latina neste momento da história um tipo de Estado repressor e perverso um sistema que não se legitimava pela representação ou governo, mas se apoiava do medo e tinha a necessidade de formar e sustentar torturadores. Os governos fabricavam assassinos e os defendiam; quer ocultando suas ações, quer legitimando-os através de uma neutralidade pública.
Em questão há um Estado que estimula, fomenta, defende o que há de pior nas pessoas. Gera mecanismos para que essas pessoas abaixo a defesa da impunidade façam as piores atrocidades com outros. Há certo ponto, contam as vitimas, não faziam tortura para extrair informações ou por algum tipo de castigo por mau comportamento. A tortura era um habito para gerar medo e um exercício para o torturador. Alguns carrascos sentiam prazer nas torturas faziam, sentiam necessidade de exercitar sua veia da crueldade, outros faziam seguindo ordens superiores e outros simplesmente torturavam mecanicamente.
O fato é que gente comum (pelo menos é o que se supõe), que vive sob o mesmo sol que qualquer diabo, foi incumbido de uma missão tão cruel e, o que é pior: cumpriu! Alguns cumpriram com muito prazer tudo que lhes foi encomendado, mas em geral, são raríssimas as exceções e os que confessaram arrependimento ou aqueles que se negaram a seguir o que lhes foi incumbido. Como puderam aceitar que suas funções fossem de extermínio?
Essas histórias, presentes no livro e no documentário, devem circular (merecem uma tradução para o Português) - porque uma forma para que nunca mais se repitam, é difundindo como a estrutura burocrática de um Estado permite que pessoas se tornem vitimas previamente condenadas. Desobedecer aos próprios chefes, colocar-se contra o Estado, contra a hierarquia e contra o mando desordenado de figuras nefastas é muitas vezes o correto. Recusar-se a cumprir ordens que fogem a nossos princípios é muito difícil, porque é mais fácil aceitar a hierarquia, porque a desobediência civil em beneficio do coletivo e o compromisso com a consciência pública só se consegue com um sentido de humanidade adquirido através do exercício da critica e da autocrítica.
O documentário todo pode ser visto no YOUTUBE, basta colocar "El alma de los verdugos" no espaço de busca e o documentário aparece dividido em 12 partes!!
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