terça-feira, 7 de abril de 2009

Barreiras arquitetônicas e sociais: uma discussão sobre acessibilidade na cidade

Continuando o papo sobre a catedral de Campinas. Quando falei com Paula sobre como chegar à Igreja ela me disse: entra na Francisco Glicério e olha pra cima, a Catedral tem mais de 50 metros de altura. Pensei lá com meus botões: ta! Mas tem um monte de prédios em volta, será que dá pra ver? Nem discuti, ela mora na região e já tinha ido lá ‘ene’ vezes. Porém, dito e feito: quando apontei na Glicério, olhei pra cima e só dava prédio. Fui pra um lado da rua: prédios e mais prédios, e aqueles todos se graça, retos.

Claro que perguntei e me indicaram andar uns 200 metros e olhar a direita quando começasse uma pracinha. Não tinha erro, disse minha informante. Não teve mesmo. Pra mim o acesso é bem fácil, andar naquelas calçadas movimentadas tortuosas e estreitas eu tiro de letra. Mas, qualquer pessoa acima dos 65 anos de idade teria dificuldades. O acesso à Catedral de campinas de carro é fácil, de ônibus é mais complicado, à pé é cercado por barreiras arquitetônicas e sociais.

Já na porta da Catedral Paula e Ricardo Leite me esperavam. E Ricardo reclamava do Box que a prefeitura colocou com as informações turísticas sobre a Catedral. Fez inúmera criticas coerentes: se você se posicionar em frente o Box com a esperança de ler as informações e conferir olhando pra Catedral, tire seu cavalo da chuva porque a obra da prefeitura impede que o leitor olhe a obra, torna-se uma barreira. Depois, as informações estão todas em português, não há nada em inglês ou espanhol, ignora algumas fontes... Enfim, a pessoa que fez, provavelmente do departamento de turismo, não consultou o departamento de obras, que não falou com o restauro da igreja, que vê aqui na praça como uma barreira e não como uma ajuda.

(Placa de informação sobre a Catedral. Não Existe "Largo da Matriz" - além de tudo a informação é errada. Ou é Largo da Catedral - como é popularmente conhecida a praça - ou usa-se o nome correto: Praça José Bonifácio. Tirei a foto exatamente em frente pra mostrar que para ler as informações e ver a Catedral não seria possível - era justamente o que Ricardo Leite dizia quando o conheci para esta série de postagens sobre o tema)

Mas, o que mais me impressionou do ponto de vista da acessibilidade é o movimento do entorno da catedral. Mais de 100 mil pessoas por dia passam pela praça, mais de 3 mil entram na Catedral. E o centro de campinas está muito cheio de barreiras. Placas, semáforos, barreiras para carros não estacionarem em calçadas, movimentos, calçadas degradadas, guias e sarjetas em péssimas situações e os poucos espaços onde as guias são rebaixadas, há buracos.

15% da população brasileira têm dificuldades motoras. Alguns são problemas congênitos, outros, problemas vindos de acidentes no decorrer da vida, mas a maioria são pessoas com idade avançada: o maior público que freqüenta a Catedral. Enquanto saímos para o almoço pude conversar um pouco com Ricardo Leite sobre o assunto e ele reclamou do pouco valor que a prefeitura dá ao tema. Me disse que tem idéias para discutir esse movimento do entorno da Catedral, mas existe muita resistência e dificuldade para que as pessoas trabalhem no problema. É um vício do setor público mesmo: mais importante que resolver o problema, os políticos querem que seu nome seja associado à resolução do problema a ponte da propaganda ser mais importante que o esforço e a concentração para buscar uma resposta ao problema.

Outra grande dificuldade da questão do acesso é que isso é marginal do ponto de vista eleitoral. Velho não precisa votar. Além disso, é uma fração reduzida da população, ou seja: o público interessado em acessibilidade não elege um cargo executivo, assim a política para esta questão é torpe. Engraçado como muita gente encara a democracia neste país: torna-a não o respeito à diversidade, mas a ditadura da maioria. Já conheci muitos gestores que sequer querem seguir a lei de acessibilidade, quanto mais tratar o tema com seriedade. Alias, conheci pouca gente interessada em tratar o tema como deveria; pelo menos sobre os que tratam a questão à serio tive a felicidade de perceber que há muita gente interessante, que me ensinou muito sobre o assunto e que me deixa com a esperança de que vai tornar-se no futuro uma questão importante.
Uma das coisas que confunde a arquitetura nesta questão é a tal da norma. Existe uma norma para definir os padrões de acessibilidade. Esta norma tem que ser seguida. Aí, o arquiteto, quando segue a norma adapta aqui, muda um pouco ali, age de acordo com a circunstância ali, mas se esquece do princípio básico do conceito: permitir que sozinho, as pessoas que tem necessidades especiais de acesso possa por si mesmo acessar os ambiente. Por isso fico doente quando entro em um cinema que faz propaganda da sua responsabilidade social com acessibilidade e faz uma porta de entrada que abre pra fora ou uma rampa ‘um pouco’ inclinada. “Ahhh... aqui o segurança dá uma ajudinha”... Isso é acessibilidade???

Enfim, quando falei com Ricardo Leite, percebi que ali se encontrava uma pessoa preocupada com o conceito e não com a norma. Queria facilitar o acesso a Catedral. É uma preocupação nobre e justa, que vai lhe trazer inúmeros cabelos brancos. Porque além de enfrentar uma série de dificuldades do ponto de vista arquitetônico, vai ter que lidar com políticos míopes, gente folgada, os motoristas de carros que se acham os donos da rua, os comerciantes que jogam seu entulho em qualquer lugar, enfim: uma enormidade de problemas, vícios e malesas que impressiona porque vai desde a ignorância das pessoas folgadas até a má formação dos arquitetos.

Veja: um último comentário sobre o assunto me permito fazer para dimensionar o tamanho do problema. Enquanto subíamos na torre fiquei impressionado com o tamanho dos prédios. Se a catedral tinha 50 metros, muitos dos edifícios no entorno tinham 80, 100 metros. Coisa do encantamento dos anos 1960 com a modernidade e a construção de edifícios altos. Essas construções trazem uma série de problemas urbanos, alem da densidade populacional exagerada. A Catedral, que é uma obra arquitetônica rara, fica absolutamente encoberta pelos prédios. Uma pena! Pagamos pela nossa ignorância presente e pela ignorância passada dos nossos antecessores. Queria eu que Paula tivesse razão e eu pudesse enxergar a Catedral da saída do ônibus no início da Francisco Glicério.

(Vista da Torre da Catedral. Muitos prédios atrapalham a visão...)

(Vista das proximidades da Catedral a partir da rua Nossa Senhora da Consolação: o caminho das pedras até se chegar à Igreja)

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