segunda-feira, 9 de março de 2009

Eleições 2010: uma armadilha que nos leva ao exercício da fútil futurologia

Você poderia me dizer qual a diferença entre especulação e conjectura?
Não procure nos dicionários de língua portuguesa. Não vale a pena. Só os dicionários de filosofia, porém, dão boas dicas da complexidade dos termos que rigorosamente usados são mais sofisticados que o usual.
Especular está ligado ao pensamento teórico, não envolve a ciência prática, ou seja, foge à prova material. É um modo de encarar a filosofia: elucubrar, pensar, filosofar – segundo Aristóletes, a metafísica, que vai além da física e é a mais nobre de todas as ciências, este é o pensamento especulativo. Assim, o pensamento especulativo parte para uma formulação de idéias que observam o movimento da substância, quer entender a essência. Especulação é um modo de fazer filosofia que não tem mais a mesma força argumentativa de séculos passados – separa o teórico do prático e se funda no idealismo metafísico praticamente execrado pela comunidade científica contemporânea como fonte de conhecimento. Já conjectura se sustenta como um postulado que não foi provado verdadeiro, é uma hipótese que sustenta previsões e que se fortalece com a realidade dos casos, é menos que uma teoria, mas se sustenta em regularidades passíveis de previsão. Conjecturas têm grandes chances de acontecer, mas não deixam de ser previsões. Conjectura todos os cientistas fazem desde os matemáticos aos filósofos – são teses que testam os limites do conhecimento. A diferença entre conjectura e especulação? Quem não separa a física da metafísica não especula, pode no máximo conjecturar fatos. Quem especula o faz com base na busca pela essência das substâncias, na origem das coisas busca o que a física e a matéria não podem dizer.
Mas, o que todo esse mausoléu tem a ver com a eleição presidencial de 2010? A resposta a essa pergunta nos leva à uma outra pergunta, mais simples de fazer, mais difícil de responder: as previsões sobre as eleições de 2010 baseiam-se em exercícios especulativos ou conjecturas quando são divulgadas? Acrescento: Qual a lógica para tais debates? Qual o valor científico dos exercícios divulgados?
Quando lhes dizem que a crise pode afetar a popularidade do presidente, que em queda nas avaliações a respeito de seu governo pode ter dificuldades para transferir votos a seu candidato, que por sua vez vai ter dificuldades eleitorais sem o apoio do presidente – essa cadeia de raciocínios coerentes é especulativa ou conjectural? E quando coloco que o PMDB vai esperar a definição da crise para saber em que candidato aposta, mesmo que pelo lado do presidente da Câmara há uma predisposição ao apoio ao PSDB, e do lado do presidente do Senado há uma predisposição ao apoio ao PT. Todos trabalhamos com a hipótese de que haverá um confronto entre PSDB e PT nas próximas eleições, provavelmente entre Dilma e Serra; que espécie de lógica estou usando para este tipo de dedução? Antes de responder a qualquer dessas perguntas, podemos nos questionar: por que questões como a crise e o PMDB são decisivas para prever qual o próximo presidente da república? Sob quais critérios essas variáveis são determinantes? Ou ainda mais atrevidamente: quem define que o próximo presidente possivelmente sairá de PSDB ou PT?
Muitas firmas usam sua capacidade de prever acontecimentos para vender informação. Muitas empresas compram essas informações. Os partidos participam desta lógica nefasta. Para essas engrenagens rodarem falta estabelecer um tipo de relação; para que haja certa confiança no trabalho oferecido deve haver determinada utilidade no trabalho comprado. Duvido que a utilidade tenha a ver com capacidades de previsão, sejam especulativas ou conjecturais.

Ou seja: as firmas (e/ou consultores) que vendem informações processadas mesmo não acreditando que estão prevendo acontecimentos e as empresas que compram as antecipações usam essas projeções para guiar suas decisões coorporativas, mas com a margem de erro garantida. Esta é uma indústria em franco crescimento que funciona a base do engano. Mas, pacto mediocridade faz com que os enganados sejam as pessoas comuns e não as coorporações. A despeito de nós, eleitores, ela funciona porque os participantes desta rede são uma elite poderosa e detentora da capacidade de mobilizar a opinião “pública” em torno da decisão que lhes convêm. Assim, ao contrário do pensamento especulativo ou das conjecturas, o ponto de partida não é o objetivo do trabalho, mas o ponto de chegada é que interessa. Ou seja: não estou interessado em saber se a minha argumentação é capaz de prever o futuro, mas quero que a mobilização que provoco defina as questões que interessam ao futuro.
Tento ser mais claro a partir de um exemplo: Muitas das informações aparecem “plantadas” – isso quer dizer que não são fatos consumados, mas querem levar a tais. Por exemplo, uma manchete no jornal: maioria no PSDB apóia candidatura de Serra. Mas, ninguém teria feito um levantamento para saber se esta afirmação é verdadeira, falsa ou parcialmente verdadeira – sob tais e quais critérios. A idéia pode ser simplesmente garantir o impacto da informação e valer-se da influência do divulgador da notícia para consolidar uma possibilidade. Isso acontece muito (aconteceu recentemente); tem o objetivo de orientar decisões e nenhum compromisso com os fatos, a realidade ou a verdade. É um jogo no qual a ciência e tudo que ela representa não interessa. E, neste contexto, posso simplesmente manipular meu critério: se entendo que os correligionários do PSDB em sua maioria não sabem se apoiam Serra ou não, posso divulgar: "Cúpula do PSDB apoia Serra", em seguida dizer que é a opinião da cúpula é determinante para a escolha do candidato e não a posição dos correligionários - mesmo que o estatuto do partido diga que o veredicto é dos corregilionários, posso dizer que tradionalmente a base acompanha a cúpula - fiz uma descabida previsão que não quer dizer nada do ponto de vista do futuro, os correligionários têm a liberdade de tomar a própria decisão, mas foram orientados a uma única possibilidade por um fraco argumento.
Assim, o que fazem as consultorias e afins não é buscar verdade nos fatos, mas criar fatos que levam a determinadas "verdades". Mais fácil de prever o resultado da conta quando se manipula o cálculo. Por isso, o grau de confiança no resultado torna-se alto na medida da influência da firma e não a partir do seu rigor lógico.
Se, é corriqueiro tal exercício quando lemos em jornais e revistas determinadas previsões, sejam elas eleitorais ou econômicas, devemos acreditar no que está dito? Quando estamos fazendo ciência e quando é ideologia?
A comunidade cientifica e acadêmica despreza tais exercícios de futurologia. Não por acaso: são proposições descabidas de compromisso com a verdade e sem compromisso com a realidade. Já a sociedade da informação elege, não sem propósito, seus interlocutores e não tem o menor pudor em divulgar tais informações.
Só sabemos quando uma informação é séria quando suas fontes e seus critérios são divulgados. Mesmo assim, dizer quem tem mais chances de vencer uma corrida eleitoral e por quais motivos é um exercício de quem erra menos. Quais fatores elegem um presidente da república? Qual o fator determinante na orientação pelo voto? Ninguém sabe dizer. Alguns parâmetros existem, mas cada eleição é uma eleição diferente e esses parâmetros ganham pesos diferentes em cada pleito, assim como são combinados de modo particular em cada circunstância.
Isso qualquer pessoa com bom senso sabe. Mas, ainda sim, todos teimamos em fazer previsões, discutir resultados, elaborar cenários, criar fatos, pensar em possibilidades, incorporar funções e variáveis.
Só estou certo em dizer que este vício humano induz ao erro.
Precisamos reconhecer que ninguém sabe por exemplo qual o efeito (ou se vai haver efeito) da crise na eleição ou no comportamento eleitoral. Muito menos passível de previsão é qual o peso do tema econômico na eleição. Seria isso mais importante de discutir que o perfil dos candidatos? Ou que as questões sociais envolvidas? Ou que o regionalismo que caracteriza o Brasil? Ou sobre a política de alianças? Evidentemente os consultores não deixam de discutir tudo isso. Mas, o que distingue um cientista de um mero consultor é que os consultores olham as variáveis orientadas ao resultado que esperam alcançar. Ou seja, o modelo deve ser adequado aos resultados; portanto, o resultado não é visto como um produto derivado do modelo.
É ao que precisamos estar atentos: boa parte desses exercícios de previsão tem por objetivo orientar nossa opinião presente e não fazer um exercício de prospecção futura. E, não há conjectura nem especulação envolvidas neste fato. Estamos falando de pura ideologia: uma tentativa de embutir à realidade determinados aspectos de interesses particulares em detrimento de questões mais gerais e assim direcionar o comportamento da campanha para aspectos que interessam a determinados grupos seletos e não a algo que necessariamente seja de debate coletivo. Se eu lhes digo que o próximo presidente deve ter um perfil de bom gestor e de ser conciliador, estou lhes dizendo que o que importa é a crise financeira e as alianças. Ou seja: elegi a participação do PMDB e a gestão da crise como critérios fundamentais para a escolha do voto. Se a população aceitar o debate, não fiz uma previsão, fiz uma escolha prévia. Mas, quem disse que este é o melhor perfil é este? Concordo que é um critério que interessa a boa parte da sociedade, mas com pesos diferentes a diferentes castas sociais. É assim, orientando a opinião da maioria que as firmas agem, não desenvolvimento mecanismos eficientes de conjecturar ou de especular.
Sobre a pergunta que paira no ar na mídia ultimamente: quem tem mais chances de ser o presidente do Brasil em 2010? A resposta mais correta seria, há poucas chances de se antecipar o resultado. Mas as empresas e os interesses econômicos que fazem suas consultas não estão interessados nas previsões e sim no direcionamento do processo. No caso: é preciso entender que os interessados na divulgação do debate não estão preocupados em comprar informação que se orienta sob fatos, estão na busca por influenciar o processo com critérios particulares. Neste sentido, colocam suas demandas a serviço dos consultores.
Por ai se percebe que a respeito do processo eleitoral não interessa ao debate prévio colocar em questão as demandas significativas da sociedade. Mas, se não cairmos na armadilha de tentar prever fatos e movimentos, podemos abrir um debate franco e honesto, onde a prospecção e a especulação são bem-vindas. Devemos, assim, fugir de nomes, siglas e ideologias. O interessante é que os movimentos sociais se apresentem como interlocutores de fatos e demandas. Antes de apoiar ou definir questões, discutir fatos e eventos; devemos conjecturar sobre possibilidades reais e materiais e especular sobre origens e substâncias fazer previsões com base em fatos reais e possibilidades matérias. Ao contrário disso, só cairemos mais uma vez nas armadilhas das ideologias.

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