Imagine se amanhã o presidente Lula dissesse que vai estatizar parte significativa do Itaú, do Bradesco e do Unibanco. Qual seria a reação geral? Imagine ainda que a privatização ocorreria à pedido dos bancos. O mundo estaria de ponta cabeça? Não necessariamente, algo um pouco mais radical que isso foi feito na Inglaterra, com bancos tradicionais, do berço da revolução industrial (Reino Unido) e no país mais capitalista do mundo (USA). Medidas radicais? Só se for para salvar o capitalismo. E, pasmem, o mundo virou de ponta-cabeça. Como não tratar os fatos recentes com a ironia de Hugo Chavez, chamando Bush de companheiro – devido as suas recentes medidas estatizantes.
Entender a crise que acontece no mundo é fácil. Resume-se em uma só palavra: desregulação. Mas, o que isso quer dizer do ponto de vista financeiro. Quer dizer que os bancos em particular (e o sistema financeiro em geral) ganharam tamanha autonomia que o Estado não mais regulava suas iniciativas. O que isso significa? Significa que os bancos passaram a vender no mercado financeiro papel sem valor. Não, não sejamos injustos: títulos de imóveis com alto risco de calote. Imagine a velhinha do Kansas City. Aquela que aplicou sua aposentadoria em títulos no mercado financeiro e sofreu com as várias crises nos finais dos anos noventa, que quando Lula ganhou as eleições no Brasil teve um frio na espinha e que, dada a bolha financeira, sempre se preocupa se vai receber a mesma porção de rendimentos.
Imagine que esta senhora tem um visinho à direita que hipotecou sua casa pra manter a empresa, mas que esse visinho, ela sabe é um fanfarrão chegado ao jogo e as festas. Ela própria se negou a emprestar dinheiro oito vezes. Pois este visinho conseguiu hipotecar sua casa na seguradora e a seguradora, não estudou em nenhuma linha a possibilidade de pagar a hipoteca, pegou este título hipotecário e vendeu no mercado financeiro. Com o dinheiro que pegou com a venda do título financiou outro visinho da velhinha do Kansas City. Agora o visinho da esquerda, que tem família, emprego fixo, mas ostenta mais que pode pagar. O visinho da esquerda da velhinha hipotecou a casa pra sustentar a troca de dois carros da família, seu whisky Bourbon e as viagens da família nas férias de verão. Pois com a crise, ele perde seu emprego. E boa parte dos recursos para comprar os títulos podres veio do fundo de pensão que administra os recursos da velhinha do Kansas. Ou seja, toda a comunidade entrou nessa.
Você lembra daquela musica do Chico Buarque usada no comercial de prevenção à AIDS: funalo, que gostava de ciclana, que amava, fulaninho, que gostava de maricotinha, que queria beltrano, que morreu de AIDS... Pois é, imagine isso no mercado financeiro em escala global. Pronto. Entendeu porque todos os governos do mundo acordaram socialistas da noite para o dia?
Por que foi através da desregulação que tudo isso aconteceu? Porque cada vez mais, para fazer a economia continuar crescendo, os governos permitiram empréstimos, créditos e circulação de títulos no mercado financeiro. Cada vez mais se afrouxou a regulação de risco e cada vez mais se permitiu a circulação de títulos no mercado financeiro. Tudo isso ignorando a premissa básica do capitalismo: crédito é um compromisso de confiança que necessita ser honrado, para o bem do sistema, todas as precauções quanto a isso precisam ser tomadas.
Na verdade não houve conversão de ninguém ao socialismo. Nem ao regulacionismo. Oxalá, mas os princípios liberais e neoliberais continuam firmes e fortes. O que houve foi falta de alternativa. Você lembra do PROER no Brasil – operação para salvar os bancos no governo FHC. Pois é, nos EUA, tentaram e não deu certo. Primeiro porque a medida foi absolutamente impopular. “Porque o dinheiro do governo deveria salvar a pilantragem privada?”, se perguntava o cidadão estadunidense. Fora necessário toda uma operação midiática e da presença de especialistas para o convencimento do plano impopular ao cidadão que a contra gosto paga impostos aos governos. Depois da primeira recusa do congresso dos EUA, o plano europeu já vinha atuando. Mas, nem mesmo o Proer internacional, de 3 trilhões de dólares foi o suficiente para amenizar a crise. Aí entra em cena o primeiro ministro da Grã-Bretanha, Gordon Brown e lança a estatização como plano de ação. 43% dos dois principais bancos da Inglaterra vão ser estatizados. Por que os acionistas aceitaram? Porque suas trapalhadas não sugeririam outra alternativa.Desde o inicio da crise, notícias de que Keynes e Marx foram retomados circulam na mídia internacional. Mera chacota! Pura conveniência. A estatização se seguira por um processo de privatização. Algumas estratégias serão revistas e passado esse turbilhão, os cidadãos do primeiro mundo vão continuar a levantar seus extratos bancários. E, aliviados, vão dar uma banana pra o trabalho infantil no terceiro mundo, para a fome na África, para a situação delicada no Oriente Médio, ou para as guerras provocadas pela ganância de uns ou pela perversidade de outros.
Um comentário:
não era musica do chico buarque. era um poema do Drumond.
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