terça-feira, 1 de dezembro de 2015

O pulso ainda pulsa: a ocupação das Escolas Públicas no estado de São Paulo pelo olhar de um educador. (por Luiz Carlos Seixas)

(O post desta semana abre espaço para o professor, educador, sociólogo e a quem tenho a honra de chamar de amigo, Luiz Carlos Seixas, o texto abaixo, de sua autoria, coloca-nos sob uma reflexão acerca da ocupação das escolas públicas de São Paulo. Boa leitura!)

O pulso, Titãs

[...]O pulso ainda pulsa
E o corpo ainda é pouco
Ainda pulsaAinda é pouco[...]”

Por Luiz Carlos Seixas[1]


            Desde o começo do mês de novembro de 2015, Escolas vêm sendo ocupadas por alunos, pais e professores no estado de São Paulo. Motivos, causas ou razões? São vários, mas destaco alguns: resistir contra o processo de Reorganização da estrutura das Escolas que aponta para o FECHAMENTO, sim, é isso mesmo, fechamento de 94 Escolas; garantir uma Educação com qualidade social, pois é mais do que comum garotas e garotos passarem o ano letivo sem professores de Língua Portuguesa, Geografia e Biologia, entre outras disciplinas; garantir participação efetiva nas estruturas de gestão da Escola para que sejam parte do processo educacional e da própria Escola, ou seja, eles querem mais democracia; professores mais bem pagos; resistir ao processo de entrega da educação pública do estado de São Paulo ao setor privado, leia-se privatização, entre outros. Por mais paradoxal que pareça, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) e seu secretário de educação Herman Voorwald, “propõem” fechar Escolas no momento exato que precisamos de mais Escolas e mais Educação.



            O que há de novo nesse movimento organizado por jovens das Escolas Públicas do estado de São Paulo? Penso que os estudantes, como atores sociais coletivos, ressurgem na cena política brasileira, parafraseando Eder Sader, como novos personagens em uma nova conjuntura e com uma velocidade que ninguém esperava, tal qual as mobilizações de Junho e Julho de 2013. Querem mais democracia, direitos e justiça. Atuam de forma mais horizontal e colegiada, articulando ação e reflexão. Aliás, cabe ressaltar, que os estudantes, de forma mais organizada, estão presentes na cena política brasileira desde os anos 1950, apesar das inúmeras tentativas de silenciamento, sobretudo nos anos de chumbo (1964-1985). Foram esses elementos que chamaram minha atenção para que saísse de casa, do aconchego da vida, para perceber que o “pulso ainda pulsa”, que o novo aparece nos resíduos.

            Foi a partir do dia 19 de novembro que procurei garotas e garotos da Escola Estadual Caetano de Campos da Aclimação, com a mediação de um ex-aluno, agora professor. O que encontrei na Escola em minha primeira visita? Alunos tomando conta da Escola, ocupando, limpando, cozinhando e assumindo tarefas para o seu funcionamento e manutenção. Preciso confessar que nesse primeiro encontro fiquei emocionado por encontrar aqueles jovens ali onde aprendi a ser educador, na Escola. Apresentaram-me seus lugares, ocupados ou não. Informaram como se organizam, como a cozinha funciona e mostraram a despensa com as muitas doações.

            Na cozinha encontrei dois garotos responsáveis pela escolha e preparação do cardápio para os colegas, cozinhando para pelo menos 50 pessoas no café, no almoço e no jantar. Cuidavam também da organização da cozinha após cada refeição. Um deles demonstrou o desejo de ser um chef, cozinheiro mesmo. Nesse momento pensei, por que não? Com um simples gesto desse garoto compreendi que a Ocupação serve de mote para que ele expresse o seu desejo na ação, pois a Escola não lhe oferta essa possibilidade no cotidiano. Ao despedir-me nesse primeiro encontro disse-lhes que se quisessem traria pão fresco na manhã seguinte, o que foi aceito.

            Na manhã seguinte lá estava eu as 8 horas, como prometido, mas o café já estava servido e com todos retomando seus lugares conforme o acerto da noite anterior. Alguns já estavam com a vassoura à mão e começavam a limpeza da Escola. Outros, ainda sonolentos, exibiam seus corpos cobertos por pequenas mantas, vagando pelos imensos corredores ou deitados no colo de algum amigo pedindo, sem falar, aqueles cinco minutos a mais para o organismo despertar. Como todo corpo que desperta e cresce, começam a se exercitar e, garotas e garotos, jogam bola juntos. Num outro dia, estenderam um plástico em uma das rampas, molhando e jogando sabão para fazer um grande escorregador para seus corpos já grandes, crescidos. Deixaram de ser meninos e meninas por um momento para serem apenas corpos que sorriem com o prazer da brincadeira.

            Acompanhando o cotidiano da Escola, desde então, muitas foram as atividades pedagógicas e de aprendizado que presenciei. Oficinas de Fotografia, de Literatura e sobre Tecnologia da Informação, palestra sobre Feminismo, roda de conversa sobre a presença das Ocupações na mídia: o que estão falando?, sobre resistência não violenta e sobre ativismo e movimentos sociais. O traço marcante dessas atividades é que eles escolhem e deliberam sobre o que fazer ou o que ouvir, a partir da disponibilidade daqueles que apoiam as ocupações, pais, educadores ou profissionais de várias outras áreas do conhecimento. Isso sim é inédito, pois na Escola não aprendemos a nos fazer ouvir. Somos todos – alunos, professores, pais e comunidade, apenas o alvo das decisões tomadas em gabinetes distantes do mundo real. Esses jovens aprendem política fazendo política.

Destaco ainda, nessa breve trajetória, mais dois aspectos: o cuidado que garotas e garotas tem demonstrado com a infraestrutura da Escola e a forma como tem recebido a comunidade que apoia a ocupação ou quer conhecer mesmo sem ainda apoiá-la. No Caetano, por exemplo, o jardim da frente estava com o mato alto e não era alvo de cuidado há alguns meses. Eles se organizaram para cortar o mato e também refazer os espaços ao redor das árvores, até então encobertas. Dentro de um grande jardim criaram seus próprios jardins dentro da Escola e agora é possível enxergá-la de dentro para fora e de fora para dentro. Vários lugares têm sido objeto de intervenção e cuidado. Limpam um lixo que parecia estar lá há alguns meses ou até anos. Em duas oportunidades presenciei a recepção de pais e comunidade para o almoço. Foram pelo menos 150 pessoas em cada um dos dias. Qual o sentido disso? Para educação, pertencimento, sem o qual ela não se realiza, não se completa.

            O que vejo nessas ocupações são os desejos, pretéritos ou futuros, dessas garotas e garotos. Hoje são elas e eles que nos dizem o que querem em sua Escola. Lutar, cuidar, resistir, brincar, conversar, agir, organizar, estudar e aprender são verbos que tenho reaprendido a conjugar com essas garotas e garotos. Nesse exato momento esses jovens estão sob ataque do governo Alckmin, de seu secretariado e da mídia monopolista, pois incomodam o institucionalizado e o estabelecido, e ocupando mostram que existem, que estão ai. O que devemos ou podemos fazer? Apoiá-los, é claro! Comparecer em suas Escolas, aos lugares que querem ficar, pois ai existem laços e sentidos que só se tornam perceptíveis quando fazemos parte. Da janela de nossas casas, do conforto de nossos sofás ou da tela de nossos computadores e celulares, pouco sabemos e nada fazemos. Vá até uma Escola Ocupada e sinta que ali o pulso, ainda pulsa!




[1]     Mestrando no Programa Interdisciplinar de Pós-Graduação em Humanidades, Direitos e Outras Legitimidades – DIVERSITAS – FFLCH/USP 

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