sábado, 22 de junho de 2013

O que fazer? Ou: como evitar a cooptação?

O que começou com aproximadamente mil e quinhentos manifestantes hoje ganham a rua mais de um milhão. Governadores e prefeitos de todo o país já reduziram o preço dos bilhetes, mas as passeatas ainda não cessaram (mesmo que a passeata desta quinta 20/06 ainda fosse a última marcada pelo MPL antes das reduções). A pergunta que muito passaram a fazer é se devem ou não voltar às suas casas e retomar as suas vidas como antes ou devem continuar a luta pelas inúmeras bandeiras levantadas?
 
Dilema capcioso: se você volta pra sua casa e retorna à sua costumeira rotina, os intelectuais de plantão vão te chamar de conformista, apáticos; bando de alienados que só sabem fazer petição on-line e organizar evento político nas redes sociais. Mas, se você continua a lutar, vai lutar para que?  Contra a PEC-37 e a corrupção? Contra o governo Dilma? Contra os partidos? Pelo impeachment de Haddad, Alkmin e Dilma? Aí os mesmos intelectuais de plantão vão acusar essa geração de antidemocráticos e fascistas como já começou a desenhar-se desde hoje nas redes sociais.
 
Muita gente já demonstra estar perdido em meio a tanta informação e está se perguntando sobre o que fazer. Longe de tentar responder o que fazer e cair na tentação de pautar o movimento, tenho a pretensão de avaliar os dilemas entre as vantagens e desvantagem da continua mobilização ou dos riscos da atual conjuntura de protestos.
 
Há vantagens na desmobilização?
 
Mobilizar sempre é importante. Mas, também é preciso saber negociar para avançar. Talvez o maior medo da juventude fosse de ter lutado por nada, mas isso agora se desfez. O grupo de aproximadamente quarenta jovens de São Paulo e de pouco mais de uma centena espalhados pelo país conseguiu fazer-se ouvir e mobilizaram tanta gente que os preços das passagens foram revogados e a pauta do transporte público entrou para a agenda de forma consistente e provavelmente definitiva. Em poucos dias recuperou-se na consciência coletiva o poder da manifestação e da contestação.  Foi um passo importante, mas ninguém pára de se perguntar se esta vitória é o suficiente? Ou se é a primeira de muitas outras possíveis? Se foram capazes de lutar e vencer o aumento das taxas do transporte público, são capazes de muitas outras coisas. Então desmobilizar pra que?
Depois dos primeiros atos com pouca audiência, o movimento cresceu de forma exponencial. Da noite para o dia uma geração considerada perdida na internet fora redefinida como representantes do Brasil. As redes sociais bombaram, viraram instrumento político e as ruas reascenderam. Muitos comentaristas contemplaram o movimento como a volta das utopias ou revogou-se a política do possível para voltar a sonhar. Ruas foram tomadas por mães apoiando seus filhos e finalmente a redenção veio da grande imprensa que primeiro mandou bater para reestabelecer a ordem e agora diz que está tudo em ordem mesmo como o quebra-quebra e os saques que são vistos com uma condescendência nunca antes prestada.
Mas, verdade seja dita: falta uma agenda. Não ao MPL, mas aos protestos. A agenda trata do transporte público defendido pelo “Passe Livre” é clara, mas é pontual e não avançou em outras questões estruturais. Mesmo assim (ou talvez por isso) foi um movimento catalizador: convergiu no aumento das tarifas um universo de insatisfações para todos os gostos e posições. Mas justamente por essa ser uma pauta única, a ausência de outras questões tornou as manifestações de outras minorias que aderiram ao protesto uma confusão generalizada. Surgiu o slogan: “não são apenas vinte centavos...” que como uma boa peça de marketing dá margem ao universalismo barato e vazio. Além disso, a repressão policial colocou seu tempero agridoce ao protesto. O vinte centavos ganharam o reforço daqueles que reconheceram um direito fundamental na liberdade para protestar. Mas, até então foi mantido o consenso de que os vinte centavos era a pauta de curto prazo.
Depois de revogados os aumentos, tudo passou a ser desculpa para o protesto e o medo da cooptação dos movimentos é o tema mais recorrente nas redes sociais.  “Não são apenas vintes centavos, vou para rua também contra a PEC-37” propõe um desavisado malicioso. Ou “não são apenas vinte centavos, pelo fim da corrupção” define outro sua justificativa do por que protestar. Temas que eram latentes e periféricos nos protestos agora querem roubar a agenda das ruas. Muitos se perguntam se devem ir para além da bandeira do transporte público. Enfim, o movimento ganhou rumos fantasmagóricos: dos reacionários que pregam ordem até os conservadores que fracassaram no “movimento Cansei” ou no “movimento dos indignados”, do anti-partidarismo ao impeachiment da presidenta. Se desde o inicio era um movimento apartidário, agora o anti-partidarismo fala da tomada do poder – mas estejamos alerta, um grupo que quer tomar o poder sem partido é necessariamente um grupo golpista.

Temos uma primavera brasileira?
Lenin dizia que há três pré-condições para a revolução. Primeiro, um partido de vanguarda devidamente organizado. Segundo, fragmentação das classes dominantes. Terceiro, uma conjuntura de crise. Hoje só a última condição existe. Os partidos estão desacreditados, como fez questão de ressaltar o Datafolha e querem desenhar os analistas e a esquerda está ainda mais desarticulada que a direita. Até mesmo a dicotomia direita e esquerda parece anacrônica para tratar o momento. O fato decisivo é que não há uma vanguarda revolucionaria capaz de representar as insatisfações e não me parece haver disposição para aceitar inclusive a ideia de vanguarda, com sérias críticas ao leninismo. Soma-se a isso a coesão das elites brasileiras que não mostram nenhum sinal de fragmentação ou conflito, podem não ter elegido seu representante preferido, mas as instituições estão sob controle e as classes dominantes sentem-se pouco ameaçados pelo estabelecido – ao ponto de somar-se aos protestantes saindo a pé dos shoppings de luxo e ganhando as ruas.
A conjuntura de crise espontânea é o único elemento presente nos protestos que faz valer as pré-condições para uma revolução. Mas independente da simpatia ou antipatia contemporânea por Lenin, mesmo este elemento não é tão certeiro como parece. Não é por acaso que ele deposita tanta responsabilidade no papel de vanguarda do partido revolucionário. Nas manifestações geradas pela insatisfação popular diante das crises espontâneas pela qual o capitalismo passa há o risco constante do aniquilamento da consciência pela espontaneidade. O problema da espontaneidade é que ela desemboca no reforço do estabelecido, geralmente não tem fôlego para abalar as estruturas sociais. Assim essa espontaneidade supostamente neutra tende a ser cooptada e favorecer as tradições. Por isso é importante uma vanguarda revolucionária devidamente organizada para lutar contra o status quo e despertar a consciência das massas. É isso que está em jogo: a direção da consciência coletiva dos protestos. A pergunta que todo mundo está se fazendo é decisiva: a quem favorecerá os protestos?

Não estamos diante da revolução, certamente. Não se desenhou nenhuma capacidade crítica sobre o sistema capitalista e suas estruturas de dominação. Também não se têm claros quais são os temas que entram em pauta. A mesma grande mídia que inicialmente condenou os protestos tornou-se decisiva para o seu sucesso agora trabalha na cooptação do movimento pode ser capaz de vetar qualquer análise crítica a respeito das causas e motivações da insatisfação popular. Por isso, se há uma primavera brasileira, esta pode seguir os mesmos passos da primavera árabe: os jovens que saíram às ruas protestar conseguiram que a maioria da população ficasse ao seu lado e até mesmo que a força das massas derrubasse ditadores, mas foram surpreendidos pela ascensão de lideranças conservadoras ao poder. Hitler ou Mussolini subiram ao poder numa conjuntura de protestos e insatisfações que derrubaram os partidos. Também foi captando insatisfações populares com o apoio da grande mídia que na história recente do país elegeu para presidente o desconhecido Fernando Collor.
Assim, não é suficiente a espontaneidade exacerbada pelos protestos do MPL porque não são capazes de gerar transformações na consciência coletiva. Uma coisa é lutar para ser ouvido ou ganhar a audiência com apelo popular, outra coisa é forçar sempre o confronto. Além disso, se os movimentos ignorarem os canais de comunicação da democracia podem forçar retrocessos e não ganhos. Agora já se desenha um cenário inverso, onde há o risco de cooptação da mais rasteira e antidemocrática. Para lembrar como isso ocorre, tomemos como exemplo o caso das estratégias recentes dos conservadores para implementar reformas liberalizantes: a Doutrina do Choque. Naomi Klein mostra em seu livro como o Chile de Allende foi transformado no projeto piloto do neoliberalismo do economista estado-unidense Milton Friedman que depois se tornou guru das reformas privatizantes e desreguladoras de Thatcher e Reagan e que destruiu o estado de bem-estar social europeu. Primeiro as greves levaram o regime de Allende a desestabilizar-se, depois da instabilidade e dos boicotes veio o enfrentamento entre manifestantes de direita e esquerda, quando finalmente a situação estava inviável surge Pinochet como um caudilho que coloca ordem e reestabelece a governabilidade. No processo de crise e reestabelecimento da ordem aqueles que lutam contra o caudilho são presos e calados. O choque (este mesmo, o eletrochoque) serve para paralisar a consciência, serve para retirar sentimentos e lembranças da vítima, o choque nas sociedades serve para apagar a história e deixar a sociedade vulnerável. E se apagarmos a história recente do Brasil, vamos realmente querer que este governo acabe e que seja reestabelecida a velha ordem? Afinal, os políticos são todos corruptos e antigamente tudo funcionava melhor. Pensando assim seria fácil termos propostas de prisões por participar de organizações partidárias. Se não cuidarmos da cidadania e da garantia dos direitos fundamentais (entre eles o direito à organização partidária) não é apenas os rumos do movimento que esta em perigo, mas da própria democracia e serão os vinte centavos mais caros da nossa história.
 
Mas, finalmente se eu puder dar uma sugestão de resposta aos inúmeros dilemas em questão hoje e mais que nunca afligem aos jovens manifestantes que estão sacudindo este país eu diria que a vontade de lutar nunca pode superar a consciência sobre o que defender na luta.

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