O que começou com aproximadamente
mil e quinhentos manifestantes hoje ganham a rua mais de um milhão.
Governadores e prefeitos de todo o país já reduziram o preço dos bilhetes, mas
as passeatas ainda não cessaram (mesmo que a passeata desta quinta 20/06 ainda
fosse a última marcada pelo MPL antes das reduções). A pergunta que muito
passaram a fazer é se devem ou não voltar às suas casas e retomar as suas vidas
como antes ou devem continuar a luta pelas inúmeras bandeiras levantadas?
Dilema capcioso: se você volta
pra sua casa e retorna à sua costumeira rotina, os intelectuais de plantão vão
te chamar de conformista, apáticos; bando de alienados que só sabem fazer
petição on-line e organizar evento político nas redes sociais. Mas, se você
continua a lutar, vai lutar para que?
Contra a PEC-37 e a corrupção? Contra o governo Dilma? Contra os
partidos? Pelo impeachment de Haddad, Alkmin e Dilma? Aí os mesmos intelectuais
de plantão vão acusar essa geração de antidemocráticos e fascistas como já
começou a desenhar-se desde hoje nas redes sociais.
Muita gente já demonstra estar perdido
em meio a tanta informação e está se perguntando sobre o que fazer. Longe de
tentar responder o que fazer e cair na tentação de pautar o movimento, tenho a
pretensão de avaliar os dilemas entre as vantagens e desvantagem da continua
mobilização ou dos riscos da atual conjuntura de protestos.
Há vantagens na desmobilização?

Depois dos primeiros atos com
pouca audiência, o movimento cresceu de forma exponencial. Da noite para o dia
uma geração considerada perdida na internet fora redefinida como representantes
do Brasil. As redes sociais bombaram, viraram instrumento político e as ruas
reascenderam. Muitos comentaristas contemplaram o movimento como a volta das
utopias ou revogou-se a política do possível para voltar a sonhar. Ruas foram tomadas
por mães apoiando seus filhos e finalmente a redenção veio da grande imprensa
que primeiro mandou bater para reestabelecer a ordem e agora diz que está tudo
em ordem mesmo como o quebra-quebra e os saques que são vistos com uma
condescendência nunca antes prestada.
Mas, verdade seja dita: falta uma
agenda. Não ao MPL, mas aos protestos. A agenda trata do transporte público
defendido pelo “Passe Livre” é clara, mas é pontual e não avançou em outras
questões estruturais. Mesmo assim (ou talvez por isso) foi um movimento
catalizador: convergiu no aumento das tarifas um universo de insatisfações para
todos os gostos e posições. Mas justamente por essa ser uma pauta única, a ausência
de outras questões tornou as manifestações de outras minorias que aderiram ao
protesto uma confusão generalizada. Surgiu o slogan: “não são apenas vinte
centavos...” que como uma boa peça de marketing dá margem ao universalismo
barato e vazio. Além disso, a repressão policial colocou seu tempero agridoce ao
protesto. O vinte centavos ganharam o reforço daqueles que reconheceram um
direito fundamental na liberdade para protestar. Mas, até então foi mantido o consenso
de que os vinte centavos era a pauta de curto prazo.

Temos uma primavera
brasileira?
Lenin dizia que há três
pré-condições para a revolução. Primeiro, um partido de vanguarda devidamente
organizado. Segundo, fragmentação das classes dominantes. Terceiro, uma
conjuntura de crise. Hoje só a última condição existe. Os partidos estão desacreditados,
como fez questão de ressaltar o Datafolha e querem desenhar os analistas e a
esquerda está ainda mais desarticulada que a direita. Até mesmo a dicotomia
direita e esquerda parece anacrônica para tratar o momento. O fato decisivo é
que não há uma vanguarda revolucionaria capaz de representar as insatisfações e
não me parece haver disposição para aceitar inclusive a ideia de vanguarda, com
sérias críticas ao leninismo. Soma-se a isso a coesão das elites brasileiras que
não mostram nenhum sinal de fragmentação ou conflito, podem não ter elegido seu
representante preferido, mas as instituições estão sob controle e as classes
dominantes sentem-se pouco ameaçados pelo estabelecido – ao ponto de somar-se
aos protestantes saindo a pé dos shoppings de luxo e ganhando as ruas.
A conjuntura de crise espontânea
é o único elemento presente nos protestos que faz valer as pré-condições para
uma revolução. Mas independente da simpatia ou antipatia contemporânea por
Lenin, mesmo este elemento não é tão certeiro como parece. Não é por acaso que ele
deposita tanta responsabilidade no papel de vanguarda do partido
revolucionário. Nas manifestações geradas pela insatisfação popular diante das
crises espontâneas pela qual o capitalismo passa há o risco constante do aniquilamento
da consciência pela espontaneidade. O problema da espontaneidade é que ela
desemboca no reforço do estabelecido, geralmente não tem fôlego para abalar as
estruturas sociais. Assim essa espontaneidade supostamente neutra tende a ser
cooptada e favorecer as tradições. Por isso é importante uma vanguarda
revolucionária devidamente organizada para lutar contra o status quo e
despertar a consciência das massas. É isso que está em jogo: a direção da
consciência coletiva dos protestos. A pergunta que todo mundo está se fazendo é
decisiva: a quem favorecerá os protestos?

Não estamos diante da revolução, certamente.
Não se desenhou nenhuma capacidade crítica sobre o sistema capitalista e suas
estruturas de dominação. Também não se têm claros quais são os temas que entram
em pauta. A mesma grande mídia que inicialmente condenou os protestos tornou-se
decisiva para o seu sucesso agora trabalha na cooptação do movimento pode ser
capaz de vetar qualquer análise crítica a respeito das causas e motivações da insatisfação
popular. Por isso, se há uma primavera brasileira, esta pode seguir os mesmos
passos da primavera árabe: os jovens que saíram às ruas protestar conseguiram
que a maioria da população ficasse ao seu lado e até mesmo que a força das
massas derrubasse ditadores, mas foram surpreendidos pela ascensão de
lideranças conservadoras ao poder. Hitler ou Mussolini subiram ao poder numa
conjuntura de protestos e insatisfações que derrubaram os partidos. Também foi
captando insatisfações populares com o apoio da grande mídia que na história
recente do país elegeu para presidente o desconhecido Fernando Collor.
Assim, não é suficiente a espontaneidade
exacerbada pelos protestos do MPL porque não são capazes de gerar
transformações na consciência coletiva. Uma coisa é lutar para ser ouvido ou
ganhar a audiência com apelo popular, outra coisa é forçar sempre o confronto.
Além disso, se os movimentos ignorarem os canais de comunicação da democracia podem
forçar retrocessos e não ganhos. Agora já se desenha um cenário inverso, onde
há o risco de cooptação da mais rasteira e antidemocrática. Para lembrar como
isso ocorre, tomemos como exemplo o caso das estratégias recentes dos
conservadores para implementar reformas liberalizantes: a Doutrina do Choque.
Naomi Klein mostra em seu livro como o Chile de Allende foi transformado no
projeto piloto do neoliberalismo do economista estado-unidense Milton Friedman
que depois se tornou guru das reformas privatizantes e desreguladoras de Thatcher
e Reagan e que destruiu o estado de bem-estar social europeu. Primeiro as
greves levaram o regime de Allende a desestabilizar-se, depois da instabilidade
e dos boicotes veio o enfrentamento entre manifestantes de direita e esquerda,
quando finalmente a situação estava inviável surge Pinochet como um caudilho
que coloca ordem e reestabelece a governabilidade. No processo de crise e
reestabelecimento da ordem aqueles que lutam contra o caudilho são presos e
calados. O choque (este mesmo, o eletrochoque) serve para paralisar a
consciência, serve para retirar sentimentos e lembranças da vítima, o choque nas
sociedades serve para apagar a história e deixar a sociedade vulnerável. E se
apagarmos a história recente do Brasil, vamos realmente querer que este governo
acabe e que seja reestabelecida a velha ordem? Afinal, os políticos são todos
corruptos e antigamente tudo funcionava melhor. Pensando assim seria fácil
termos propostas de prisões por participar de organizações partidárias. Se não
cuidarmos da cidadania e da garantia dos direitos fundamentais (entre eles o
direito à organização partidária) não é apenas os rumos do movimento que esta
em perigo, mas da própria democracia e serão os vinte centavos mais caros da
nossa história.
Mas, finalmente se eu puder dar
uma sugestão de resposta aos inúmeros dilemas em questão hoje e mais que nunca afligem
aos jovens manifestantes que estão sacudindo este país eu diria que a vontade
de lutar nunca pode superar a consciência sobre o que defender na luta.
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