(O post desta semana abre espaço para o professor, educador, sociólogo e a quem tenho a honra de chamar de amigo, Luiz Carlos Seixas, o texto abaixo, de sua autoria, coloca-nos sob uma reflexão acerca da ocupação das escolas públicas de São Paulo. Boa leitura!)
O pulso, Titãs
“[...]O pulso ainda pulsa
E o corpo ainda é pouco
Ainda pulsaAinda é pouco[...]”
Por
Luiz Carlos Seixas[1]
Desde o começo do mês de novembro de
2015, Escolas vêm sendo ocupadas por alunos, pais e professores no
estado de São Paulo. Motivos, causas ou razões? São vários, mas destaco alguns:
resistir contra o processo de Reorganização da estrutura das Escolas que
aponta para o FECHAMENTO, sim, é isso mesmo, fechamento de 94 Escolas; garantir
uma Educação com qualidade social, pois é mais do que comum garotas e garotos
passarem o ano letivo sem professores de Língua Portuguesa, Geografia e
Biologia, entre outras disciplinas; garantir participação efetiva nas
estruturas de gestão da Escola para que sejam parte do processo educacional e
da própria Escola, ou seja, eles querem mais democracia; professores mais bem
pagos; resistir ao processo de entrega da educação pública do estado de São
Paulo ao setor privado, leia-se privatização, entre outros. Por mais paradoxal
que pareça, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) e seu secretário de educação
Herman Voorwald, “propõem” fechar Escolas no momento exato que precisamos de
mais Escolas e mais Educação.
O que há de novo nesse movimento
organizado por jovens das Escolas Públicas do estado de São Paulo? Penso que os
estudantes, como atores sociais coletivos, ressurgem na cena política
brasileira, parafraseando Eder Sader, como novos personagens em uma nova
conjuntura e com uma velocidade que ninguém esperava, tal qual as mobilizações
de Junho e Julho de 2013. Querem mais democracia, direitos e justiça. Atuam de
forma mais horizontal e colegiada, articulando ação e reflexão. Aliás, cabe
ressaltar, que os estudantes, de forma mais organizada, estão presentes na cena
política brasileira desde os anos 1950, apesar das inúmeras tentativas de
silenciamento, sobretudo nos anos de chumbo (1964-1985). Foram esses elementos
que chamaram minha atenção para que saísse de casa, do aconchego da vida, para
perceber que o “pulso ainda pulsa”, que o novo aparece nos resíduos.
Foi a partir do dia 19 de novembro
que procurei garotas e garotos da Escola Estadual Caetano de Campos da
Aclimação, com a mediação de um ex-aluno, agora professor. O que encontrei na
Escola em minha primeira visita? Alunos tomando conta da Escola, ocupando,
limpando, cozinhando e assumindo tarefas para o seu funcionamento e manutenção.
Preciso confessar que nesse primeiro encontro fiquei emocionado por encontrar
aqueles jovens ali onde aprendi a ser educador, na Escola. Apresentaram-me seus
lugares, ocupados ou não. Informaram como se organizam, como a cozinha funciona
e mostraram a despensa com as muitas doações.
Na cozinha encontrei dois garotos
responsáveis pela escolha e preparação do cardápio para os colegas, cozinhando
para pelo menos 50 pessoas no café, no almoço e no jantar. Cuidavam também da
organização da cozinha após cada refeição. Um deles demonstrou o desejo de ser
um chef, cozinheiro mesmo. Nesse momento pensei, por que não? Com um
simples gesto desse garoto compreendi que a Ocupação serve de mote para que ele
expresse o seu desejo na ação, pois a Escola não lhe oferta essa possibilidade
no cotidiano. Ao despedir-me nesse primeiro encontro disse-lhes que se
quisessem traria pão fresco na manhã seguinte, o que foi aceito.
Na manhã seguinte lá estava eu as 8
horas, como prometido, mas o café já estava servido e com todos retomando seus
lugares conforme o acerto da noite anterior. Alguns já estavam com a vassoura à
mão e começavam a limpeza da Escola. Outros, ainda sonolentos, exibiam seus
corpos cobertos por pequenas mantas, vagando pelos imensos corredores ou
deitados no colo de algum amigo pedindo, sem falar, aqueles cinco minutos a
mais para o organismo despertar. Como todo corpo que desperta e cresce, começam
a se exercitar e, garotas e garotos, jogam bola juntos. Num outro dia,
estenderam um plástico em uma das rampas, molhando e jogando sabão para fazer
um grande escorregador para seus corpos já grandes, crescidos. Deixaram de ser
meninos e meninas por um momento para serem apenas corpos que sorriem com o
prazer da brincadeira.
Acompanhando o cotidiano da Escola, desde
então, muitas foram as atividades pedagógicas e de aprendizado que presenciei.
Oficinas de Fotografia, de Literatura e sobre Tecnologia da Informação,
palestra sobre Feminismo, roda de conversa sobre a presença das Ocupações na
mídia: o que estão falando?, sobre resistência não violenta e sobre ativismo e
movimentos sociais. O traço marcante dessas atividades é que eles escolhem e
deliberam sobre o que fazer ou o que ouvir, a partir da disponibilidade
daqueles que apoiam as ocupações, pais, educadores ou profissionais de várias outras
áreas do conhecimento. Isso sim é inédito, pois na Escola não aprendemos a nos
fazer ouvir. Somos todos – alunos, professores, pais e comunidade, apenas o
alvo das decisões tomadas em gabinetes distantes do mundo real. Esses jovens
aprendem política fazendo política.
Destaco ainda, nessa breve trajetória,
mais dois aspectos: o cuidado que garotas e garotas tem demonstrado com
a infraestrutura da Escola e a forma como tem recebido a comunidade que apoia a
ocupação ou quer conhecer mesmo sem ainda apoiá-la. No Caetano, por exemplo, o
jardim da frente estava com o mato alto e não era alvo de cuidado há alguns
meses. Eles se organizaram para cortar o mato e também refazer os espaços ao
redor das árvores, até então encobertas. Dentro de um grande jardim criaram
seus próprios jardins dentro da Escola e agora é possível enxergá-la de dentro
para fora e de fora para dentro. Vários lugares têm sido objeto de intervenção
e cuidado. Limpam um lixo que parecia estar lá há alguns meses ou até anos. Em
duas oportunidades presenciei a recepção de pais e comunidade para o almoço.
Foram pelo menos 150 pessoas em cada um dos dias. Qual o sentido disso? Para
educação, pertencimento, sem o qual ela não se realiza, não se completa.
O que vejo nessas ocupações são os
desejos, pretéritos ou futuros, dessas garotas e garotos. Hoje são elas e eles
que nos dizem o que querem em sua Escola. Lutar, cuidar, resistir, brincar,
conversar, agir, organizar, estudar e aprender são verbos que tenho reaprendido
a conjugar com essas garotas e garotos. Nesse exato momento esses jovens estão
sob ataque do governo Alckmin, de seu secretariado e da mídia monopolista, pois
incomodam o institucionalizado e o estabelecido, e ocupando mostram que
existem, que estão ai. O que devemos ou podemos fazer? Apoiá-los, é claro!
Comparecer em suas Escolas, aos lugares que querem ficar, pois ai existem laços
e sentidos que só se tornam perceptíveis quando fazemos parte. Da janela de
nossas casas, do conforto de nossos sofás ou da tela de nossos computadores e
celulares, pouco sabemos e nada fazemos. Vá até uma Escola Ocupada e sinta que
ali o pulso, ainda pulsa!
[1] Mestrando no Programa Interdisciplinar de
Pós-Graduação em Humanidades, Direitos e Outras Legitimidades – DIVERSITAS –
FFLCH/USP
Nenhum comentário:
Postar um comentário