segunda-feira, 8 de junho de 2009

Dica de Leitura: Stefan Zweig

Não é de meu apreço dar dicas de leitura. Escrevo resenhas, é verdade. Mas, como um exercício de análise e entendimento de algumas obras que seleciono para racionalizar. Agora, aquela coisa chata e pedante que me faz ter urticária: "você precisa ler esse livro!", eu odeio isso. Ninguém precisa ler nada. Cada um tem o direito de ler o que quiser. Bula de remédio, lista telefônica, correio eletrônico, anúncio de carro usado, sinta-se à vontade amigo internauta. Sou completamente à favor da anarquia literária. Então, não encare minha "dica de leitura" como uma dica séria. Assim como não gosto que me digam o que ler, também não gosto de dizer a outras pessoas que leiam isso ou aquilo. Tudo bem que às vezes peço a um amigo ou outro pra que leia um livro, mas isso tem uma intensão obscura de procurar um interlocutor e não porque eu acho que a vida dele vai mudar depois dessa ou daquela leitura.
Faço aqui, portanto, um contra-senso: dou uma dica de leitura, sem querer que seja respeitada. Mas, justifico que isso é apenas um registro que achei importante fazer dada a negligência com que se trata Stefan Zweig.
Meu primeiro contato com Stefan Zweig foi através da recomendação do reitor da UCM, uma das figuras mais cultas que conheci - sabia tudo de literatura. Peguei primeiro a edição espanhola, "El mundo de ayer: memorias de un europeo". Traduzido de "Die Welt von Gestern" em português para "O mundo que Eu vi". Uma espécie de auto-biografia.
O impacto foi imediato. Um escritor judeu austro-hungaro famoso, contemporâneio dos "Circulos de Viena" e provavelmente influente em muitos deles, que teve sua vida virada de cabeça para baixo por conta das guerras e do nazismo. A lingua que o tornou famoso e conhecido foi proibida, sua origem judia tornou-se um problema em si e tudo que havia construido naquele momento teve em vias de ruir. Me impactou ler Zweig ter escrito: me sentia um estrangeiro em minha própria terra e me senti um estrangeiro em qualquer lugar pelo resto da vida. Cito de cabeça, pois não me lembro exatamente as palavras da tradução espanhola e não faz muita diferença ler como traduziram em português. Mas, com certeza a elegância e o estilo do autor perderam com a tradução e minha transcrição livre aqui é meio tosca. Enfim, faz pouca diferença nessa altura do campeonato querer sofisticar.
Para quem não sabe o que foram os circulos de Viena, vale a pena dar uma pesquisada - só não procure na wikkipédia porque há informações erradas. É espatoso que nos anos de entre-guerras tenha existido gente tão interessante reunida no mesmo lugar. Influenciados pela física de Einsten, pela psicanálise de Freud, pela filosofia de Wittgenstein, fornando figuras de impacto como Kurt Göedel, Popper etc, vários grupos, entre eles o mais afamado pelo positivismo científico de Moritz Schilick e Rudolf Carnap, para discutir filosofia e ciência. A universidade certamente era uma fonte de inspiração mas não era o limite daqueles grupos que tomavam os cafés da cidade, as ruas e os bares para falar da condição humana.
Viena nesses anos respirava intelectualidade e Zweig era um precioso destaque naqueles tempos de bonança. Um de seus livros: "24 horas na vida de uma mulher", segundo consta, foi usado por Freud como referência, lido e relido, pelo pai da psicanálise. Pode uma mulher em 24 horas se apaixonar perdidamente por um homem e abandonar tudo, os filhos, a família, a honra, sua vida, em função dessa paixão? Como encarar socialmente esta mulher? Partindo desta anedota Zweing desenvolve um brilhante conto que pretendo explorar em outro post. Este livro custa R$ 8,00 na edição de bolsa da LP&M. Acesso quase universal por esse preço.
Zweig viveu no Brasil seu último ano de vida. Morreu em Petrópolis. Existe um museu para ele lá. O mais interessante é que escreveu seu ultimo livro sobre nosso país: "Brasil: um país do futuro". Claro: o livro mais traduzido sobre o Brasil em não sei quantos idiomas e tantas edições, lançado simultaneamente em três ou quatro idiomas, mas altamente negligenciado em nosso país pela sua proximidade com as teorias multietnicas de Gilberto Freyre. Polêmicas à parte, ressuscitar Zweig faz parte da missão salvacionista deste blog que quer buscar coisas interessantes e injustamente marginalizadas. Zweig sempre teve seu talento reconhecido pelo mundo, mas nós brasileiros por motivos bobos falamos muito pouco dele.

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